Carlos Nobre: precisamos redefinir o conceito de Bioeconomia

Carlos Nobre: precisamos redefinir o conceito de Bioeconomia

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O pesquisador Carlos Nobre, um principais estudiosos do clima do Brasil, defende nesta entrevista em vídeo para o site Envolverde, uma redefinição do conceito de Bioeconomia, aplicável à condição brasileiraDevemos buscar uma Bioeconomia que zere o desmatamento e que restaure áreas degradadas. A recuperação de um hectare de floresta, seja na Amazônia ou na Mata Atlântica, retira 15 toneladas de carbono por ano da atmosfera”, observa. Leia mais e clique no link para assistir à entrevista.

Árvores em uma floresta fechada

‘A maneira de o Brasil enxergar a realidade tem de ser diferente’

Carlos Nobre

O Brasil tem uma diferença de realidade. Aqui 50% de nossas emissões são diretamente relacionadas ao desmatamento. Nossa maneira de enxergar a emergência climática tem de ser diferente. O Brasil se diferencia da maioria dos países do mundo por sua riqueza em biodiversidade. Somos o número um nisso. Devemos buscar uma bioeconomia que zere o desmatamento e que restaure áreas degradadas. A recuperação de um hectare de floresta, seja na Amazônia ou na Mata Atlântica retira 15 toneladas de carbono por ano da atmosfera.

Precisamos construir a bioeconomia em um modelo inovador, que outros países tropicais possivelmente seguirão. Em outras áreas, nós copiamos do mundo, mesmo no agronegócio, em que trazemos produtos de outros países, sem valorizar os produtos internos. Essa bioeconomia de floresta em pé não existe em lugar algum do mundo. Precisamos desenvolvê-la. Se não criarmos essa nova bioeconomia outros aproveitarão nossa biodiversidade.

Em visita ao Ver o Peso, em Belém (PA), podemos ver milhares de produtos de toda a Amazônia, mas em uma dimensão turística e de pouco valor agregado. No entanto, 150 metros depois, em um supermercado, quase nada dessa diversidade está nas gôndolas.

Um exemplo do potencial dos produtos da Amazônia é a cadeia produtiva do açaí, que já conseguiu tirar quase 300 mil pessoas da pobreza. Tem a castanha e o cacau também, mas precisamos de mais. A Mata Atlântica também é um rico manancial de espécies. No Cerrado, também há uma rica biodiversidade, além da Caatinga, o semiárido mais rico do mundo. No tempo, todos esses biomas se conectaram centenas de milhares de anos atrás e ampliaram a biodiversidade de cada local.

Inovação, ciência e tecnologia e empoderamento das populações que vivem nesses biomas são as premissas necessárias para a criação de uma nova economia baseada em biodiversidade. Agregação de valor, industrialização, ciência moderna.

O Brasil é o terceiro país que mais forma doutores no mundo – estamos formando mais de 20 mil doutores por ano –, atrás apenas de Estados Unidos e China. É também o 13º país em produção de artigos científicos, mas poucos são os que estão trabalhando para gerar essa bioeconomia. Precisamos criar financiamento e linhas de pesquisa nessa direção.

Há necessidade de políticas públicas, mas também de um setor privado inovador. O setor econômico precisa ter coragem e não só copiar o que vem de fora. Nos países desenvolvidos, as empresas privadas são as que mais investem em ciência aplicada. No Brasil é o setor público. Precisamos desafiar o capital privado a inovar.

O Brasil tem assistido um grande desenvolvimento de startups na área financeira e de tecnologia, isso tem sido um sucesso. É preciso que se estimule o fluxo de conhecimentos e recursos para o estudo e promoção de conhecimentos e produtos que gerem valor a partir da informação genômica do país.

O papel das pequenas empresas para esse desenvolvimento é essencial. A inovação e o risco sempre ficam com as pequenas empresas. As grandes apenas entram no jogo depois que está provado que dá para ganhar. São milhares de pequenas empresas e startups que vão propiciar o milagre da bioeconomia. Estimativas de fundos de venture capital mostram que apenas uma em onze iniciativas dá certo. Mas, quando dá certo, a geração de riqueza é exponencial.

Quando se junta o investimento em pesquisa e novos negócios e os doutores que estão sendo formados no Brasil, há uma feliz associação de interesses. No Brasil, hoje, apenas 15% dos doutores vão para o setor privado, os outros mais de 80% vão para o setor público. Na Coreia do Sul o número é inverso. Há 40 anos, os indicadores da economia coreana eram menores do que os do Brasil no mesmo período. Hoje, a Coreia do Sul é uma das economias mais inovadoras do mundo!

O ecossistema de inovação não é feito apenas de acadêmicos, mas também de pessoas criativas e que têm uma veia empreendedora, capaz de mobilizar os conhecimentos e os capitais necessários. O que as políticas públicas devem fazer é ampliar a disponibilidade de recursos para pesquisas de conhecimento aplicado e de capitais para investimento. Isso pode ser feito com recursos públicos ou com incentivos para a aplicação de investimentos privados.

 

* Carlos Nobre é engenheiro formado pelo ITA e doutor em Meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). O pesquisador é conhecido internacionalmente por seus estudos que relacionam a ação antrópica na Amazônia às alterações climáticas globais. Entrevista a Dal Marcondes entrevista, publicada no site Envolverde, em 21/8/2023.