Carlos Mussi: ‘Desigualdade atrapalha a produtividade'
Agenda 2030, políticas públicas e sua relação com o crescimento econômico estiveram em pauta em mais um debate da série Futuros do Brasil e da América Latina, realizado pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz), tendo como convidado o diretor do escritório da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) no Brasil, Carlos Mussi, em 30/7/2018. O debate foi mediado pelo ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, pesquisador do CEE-Fiocruz e participaram como debatedores Paulo Gadelha, coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030; Thereza De Lamare, do Departamento de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde (DAS/SAS/MS); e Paulo Buss, diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz (Cris/Fiocruz).
Mussi orientou sua fala por dois documentos produzidos pela Cepal, relacionando os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – agenda das Nações Unidas a ser seguida por todos os países signatários até 2030 – a um texto resultante de debates realizados pela Comissão em maio de 2018, que tem como título A ineficiência da desigualdade. “O documento busca apontar quanto custa ao desenvolvimento a desigualdade, ou seja, a desigualdade atrapalha a produtividade, e portanto, pensar fazer política de aumento de produtividade sem atacar as desigualdades é algo que, especialmente no país em uma região como a América Latina, se torna muito difícil”, analisou.
O saldo negativo da desigualdade pode ser verificado nas áreas da saúde, da educação, do transporte público, entre outras, como exemplificou Mussi. “Imaginemos a ineficiência na educação: as pessoas que não têm acesso não podem produzir como as que têm. Em relação à saúde, o prolongamento do período produtivo e da qualidade de vida está ligado a prevenção e a tratamento. Em termos de eficiência da mobilidade urbana, podemos privilegiar o transporte individual, que nos cria engarrafamentos, demora, ou o transporte público, muito mais eficaz”, disse o economista, acrescentando que “falar de política pública é pensar em que quintil da população se está atuando”.
Há 30 anos, o crescimento brasileiro de 4% era considerado recessão. Hoje, temos um estilo de desenvolvimento recessivo, que vem desde 2008 e não chega a 4%
Ele criticou a utilização pelos países de “estratégias de uma empresa falida”, conforme comparou. “A primeira coisa que uma empresa falida faz é parar de gastar. A emenda do teto de gastos é muito isso. A segunda coisa é vender ativos, fazer privatizações e concessões. E a terceira é tentar aumentar o preço de um produto inelástico, que seriam os impostos”, comparou.
Para ele, o nível de investimento público no Brasil é muito baixo. “A decisão de investir é uma das equações mais difíceis em economia. Por que se investe, com que perspectivas, expectativas de retorno. Parece que perdemos o conhecimento quanto crescer”, disse, observando que, há 30 anos, o crescimento brasileiro de 4% era considerado recessão. “Hoje, temos um estilo de desenvolvimento recessivo, que vem desde 2008 e não chega a 4%”.
Mussi analisou o cenário brasileiro e latino-americano a partir da expressão mudanças tectônicas, utilizada pela Cepal, e que compreende envelhecimento da população, advento de novas tecnologias, nova geopolítica e mudanças climáticas, todas elas contempladas na Agenda 2030 e cujo enfrentamento relaciona-se ao modelo de desenvolvimento pelo qual se encaminha.
A ‘cultura de privilégios’ implica que grupos sociais transformem vantagem em direitos
De acordo com o economista, a Cepal propõe que uma discussão a esse respeito se dê em termos de três tipos de eficiência. Citando o economista e cientista político austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950), Mussi menciona a eficiência schumpeteriana, relativa à estrutura produtiva, situada no nível da oferta, da capacidade de um país ou região de criar, inovar, e montar uma estrutura. No entanto, é preciso haver também uma gestão da demanda, que Mussi chama de eficiência keynesiana: quem pode comprar? Trata-se do âmbito do mercado, se este é dinâmico ou não, se é interno ou externo; do papel da regulação governamental; da existência de financiamento para aquisição de produtos. “Trata-se de como gerar demanda para consumir aquela oferta”.
Por fim, a eficiência ambiental, relativa à sustentabilidade, lidando-se com a oferta e com a demanda no longo prazo. “A eficiência ambiental refere-se àquela noção de que os recursos têm que ser renováveis, de que é preciso pensar nas gerações futuras, de que temos um planeta só etc.”.
Essas três eficiências podem orientar, por exemplo, onde construir um hospital, que tecnologia será usada, como deve se dar o treinamento dos profissionais, qual a demanda para essa iniciativa, de que forma será financiada e como se dará sua sustentabilidade no longo prazo.
Em sua análise, Mussi destacou, ainda, a “cultura de privilégios” que norteia a América Latina. “Essa cultura implica que grupos sociais transformem vantagem em direitos”, diz. Isso gera, segundo ele, um impasse político e trava mudanças estruturais que é preciso fazer na região”.