"Para abrir espaço aos jovens em uma nova agenda de pesquisa, é preciso tornar a ciência mais plural, em termos de gênero e raça"– Bruna Brelaz, presidente da UNE, no CEE Podcast
“O Brasil, historicamente, ainda não conseguiu pensar a universidade como o setor responsável por 95% da nossa produção científica”, afirma a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Bruna Brelaz, em entrevista ao CEE Podcast sobre o papel da educação, da ciência e da tecnologia no desenvolvimento nacional. A universidade e a pesquisa, segundo Bruna, são instrumentos que podem alavancar a modernização do país. Para a líder estudantil, na história da universidade brasileira, faltou mais investimento em educação e em ciência, além de um orçamento voltado estrategicamente para o setor científico.
Conforme observa, novos parâmetros de desenvolvimento, que levem em conta critérios socioambientais, estão sendo exigidos em nível mundial, e o Brasil poderia contribuir. “Nós comportamos uma boa parte da Amazônia”, diz Bruna, referindo-se ao bioma de maior biodiversidade do mundo. “Poderíamos pensar esse setor estratégico ambiental em prol do desenvolvimento da nação e da sua preservação”.
Outro ponto abordado em sua fala diz respeito ao que pode ser feito para aumentar o interesse dos jovens por ciência e tecnologia, de forma a atender à demanda de formação na área. Estudo da Confederação Nacional da Indústria, de 2018, Educação: A base para competividade aponta que o percentual de egressos do ensino superior que se graduam em áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática está, hoje, em torno de 16% no Brasil. Para mudar essa realidade, diz, é preciso “olhar a trajetória educacional como um processo contínuo”. Para isso, os investimentos em educação devem começar desde a primeira infância, avalia.
Além do planejamento na formação de longo prazo do “estudante modelo”, Bruna sublinha que o país precisa investir, em um plano emergencial de médio prazo, nos estudantes que já estão na universidade. Isso tanto possibilitaria a continuidade das pesquisas já em andamento, como serviria para atrair e formar novos pesquisadores em áreas consideradas estratégicas para o país. Sem investimento, considera, é “muito difícil” atrair pessoas para esse tipo de atividade.
Atualmente o país tem apenas cerca de 900 pesquisadores por milhão de habitantes, enquanto países da OCDE têm, em média, 4 mil por milhão. E, entre os estudantes que seguem com a formação acadêmica, lembra Bruna, “muitos acabam indo fazer mestrado e doutorado fora do Brasil”, em busca de melhores oportunidades.
Ainda em relação às demandas necessárias para a formação de jovens para as áreas de ciência, tecnologia e inovação, ela diz que tem críticas e elogios em relação ao Novo Ensino Médio, resultado das mudanças na base curricular nacional que começaram a ser implementadas em 2022. Entretanto, em sua avaliação, tais mudanças não contemplam o problema estrutural da escola em um país com dimensões continentais. “O Brasil tem que ter coragem de mudar de forma mais radical a estrutura do que é a escola hoje”, explica. Os desafios, em sua avaliação, são diversos e do tamanho do país, e incluem “desde as escolas de taipa no Maranhão até a necessidade dos alunos de atravessar o rio Amazonas para conseguirem chegar à escola”.
Segundo a presidente da UNE, além de mudar estruturalmente a escola, é preciso avançar na questão curricular dos cursos universitários e direcionar o foco da universidade para que ela funcione como “um polo estratégico do desenvolvimento da nação”. Nesse processo, ela sublinha que devem ser “contemplados todos aqueles que compõem o Brasil, negros, indígenas e brancos”.
“A universidade no Brasil tem um histórico de ser elitizada”, pontua Bruna, “Para abrir espaço aos jovens em uma nova agenda de pesquisa, é preciso tornar a ciência mais plural, em termos de gênero e raça”, considera. No atual contexto de crise econômica e de pandemia, que, como lembra, afetam diretamente a escola e a universidade, é importante a criação “de mecanismos para resgatar os estudantes de volta para as salas de aula, garantindo qualidade, direito ao acesso e direito à permanência, e incentivo para que esse estudante possa ter bolsa de pesquisa”.
A líder estudantil sublinha que a área de ciência e tecnologia deve ser vista como estratégica para a criação de novos mecanismos de desenvolvimento, alinhados com os atuais desafios mundiais, assim como com a necessária soberania do país. “O mundo está passando pela revolução 4.0, que envolve um novo modelo de produção”, explica Bruna, ao defender que a universidade seja reconhecida como o centro dessa transformação. Para formar mão de obra capaz de lidar com as novas tecnologias, tais como inteligência artificial, big data e impressão 3D, e dar passos mais ousados em relação às novas formas de pensar o mundo, “é preciso instrumentalizar de forma mais qualificada a universidade”, ressalta. Por isso, ela pontua que os recursos empregados nas universidades e em pesquisa “não devem ser vistos como gasto e sim como investimento”. Nesse processo, a estudante considera que o Estado deve ser o maior investidor, assim como as indústrias nacionais com interesse de se desenvolverem no país, devem, também, participar desse esforço.
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