Oportunidade incomparável: o Brasil deve usar sua presidência do G20 para focar em pactos globais transformadores
Em artigo o períodico britânico The BMJ, publicado em 23/7/2024, os pesquisadores Paolo Buss, João Miguel Estephanio, Vitória Kavanami e Pedro Burger, do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) estabelecem três prioridades para o Brasil avançar na agenda do G20 para construir um mundo justo e um planeta sustentável. Conforme escrevem, a presidência brasileira do G20 aumenta a capacidade do Brasil de promover pactos globais transformadores, urgentes e necessários para enfrentar a policrise (política, social, econômica, ambiental e de saúde) que afeta a população mundial”, que os países membros do bloco “têm obrigação moral e ética de implementar”.
Os autores chamam atenção para as declarações recentes divulgadas pelas Nações Unidas e principais blocos plurilaterais, como G7, G77 e Brics, que reiteram a necessidade desse pacto global para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Dustentável (ODS), seguindo a premissa de que ninguém fique para trás. “Os ODS são todos reconhecidos como determinantes da saúde (política, social, económica e ambiental) e devem ser plenamente alcançados para garantir a equidade global com populações longevas, saudáveis e produtivas”, observam.
Sob o lema Construindo um mundo justo e um planeta sustentável, as três prioridades propostas pelo Brasil no G20 – inclusão social e combate à fome e à pobreza; transições energéticas e promoção do desenvolvimento sustentável; e reforma das instituições de governança global – abrangem a quase totalidade dos ODS, destaca o artigo, apontando que os países-membros “saudaram essas prioridades em extensas reuniões do G20 e têm discutido mecanismos para implementá-las em mais de cem reuniões temáticas”.
A primeira prioridade, analisam, envolve duas dimensões “poderosas” dos determinantes sociais da saúde, também incorporadas na proposta de criação da Aliança Global do G20 Contra a Fome e a Pobreza, “que é em si um grande pacto transformador”.
A segunda prioridade inclui pactos “também transformadores”, relacionados a transição verde, combate à crise climática e implementação da sustentabilidade nas cidades, tendo em conta não só a saúde humana, como a saúde planetária: “as alterações climáticas extremas estão causando desastres ambientais, insegurança alimentar e permitindo a propagação de vectores de doenças infecciosas”.
Quanto à terceira prioridade visa “revigorar e transformar o multilateralismo”, que, como avaliam os autores, se trata de condição prévia para alcançar a paz, a estabilidade, o bem-estar e o desenvolvimento social. “A atual governança global não conseguiu enfrentar desafios importantes, como demonstraram as guerras na Ucrânia, em Gaza e outros conflitos militares”, observam, defendendo, ainda, “maior representação do Sul global”, como passo importante para a reforma multilateral.
Os autores destacam, ainda, que o Brasil também está buscando duas iniciativas “transformadoras ambiciosas” na agenda de Saúde do G20: uma aliança para produção, inovação e acesso local e regional, concentradas em populações e doenças negligenciadas, enfrentando as iniquidades em saúde; e um mecanismo de dívida pela saúde, voltada ao alívio de dívida de países devedores em troca de investimentos em infra-estrutura de saúde.
Saúde como ponte para a paz
Como proposta, o artigo defende que o Brasil considere em suas iniciativas o lançamento de “uma estratégia de saúde como ponte para a paz”. Essa defesa está registrada no resumo político a ser publicado em breve pelo T20 Brasil. “Essa estratégia visa proteger os serviços e profissionais de saúde, bem como a população civil, em áreas de conflito”, consideram. “O Brasil tem uma posição única para promover esses pactos transformadores, porque faz parte de um grande número de organizações plurilaterais, incluindo o G20, o G77 e o Brics+, e tem um papel proativo no sistema da ONU”, avaliam.
Para Buss, Estephanio, Kavanami e Burger, as barreiras à implementação desses pactos que o Brasil enfrentará podem ser superadas por meio de “suas relações diplomáticas fortes e harmoniosas”, com EUA, a China, Rússia e União Europeia, e com os principais países do Sul Global, aí incluídos China, Índia e África do Sul.
“O Brasil deveria usar as suas credenciais políticas e aproveitar esta oportunidade para trazer o G77 e outros grupos representativos do Sul Global à mesa em novembro de 2024, durante a cimeira dos líderes do G20 no Rio de Janeiro”, propõem, lembrando que após entregar a presidência do G20 à África do Sul, em 2025, o Brasil assumirá a presidência do Brics+ e sediará a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), “onde será possível consolidar os compromissos alcançados no G20”.
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