As pequenas cidades e a pandemia – entrevista com a secretária de Saúde de Itagi (BA)
O novo coronavírus já se espalhou pelos 26 estados do país e o Distrito Federal. Longe dos grandes centros, os pequenos municípios do interior do Brasil, em especial, no Norte e no Nordeste, não contam com o suporte hospitalar das grandes capitais, que também concentram a maior parte dos recursos e leitos. Algumas dessas cidades, aliás, já registram transmissão comunitária e viraram pólo de disseminação regional do vírus. Para saber como essas pequenas cidades têm se comportado diante da Covid-19, o blog do CEE-Fiocruz entrevistou Ângela Muniz Andrade, secretária municipal de Saúde de Itagi, Bahia, cidade de 13 mil habitantes, localizada a cerca de 400 quilômetros de Salvador.
Quando a entrevista foi realizada, na primeira semana de abril, havia um caso confirmado na comunidade, cuja transmissão fora importada da cidade vizinha por uma enfermeira que trabalha nas duas localidades, e um caso suspeito – depois confirmado. A distância entre o primeiro e a suspeita do segundo caso foi de aproximadamente uma semana. De acordo com os dados registrados no site da prefeitura de Itagi, o número de casos não evoluiu.
Como o país não dispõe de testes para todos, não se sabe ao certo se há outras famílias contaminadas. Segundo Ângela, a cidade está em alerta e o monitoramento “tem sido feito incansavelmente”.
Por meio de meio do Decreto Municipal 023/2020, foram formadas cinco barreiras sanitárias em todas as entradas e saídas da cidade. A medida teve razão de ser, tendo em vista a disseminação do coronavírus nos municípios vizinhos – um deles, Jequié, com 182 casos suspeitos e 31 confirmados (em 23/4). Para a secretária, aliado a essa medida, o isolamento social têm sido uma estratégia importante, ainda que diante da falta de conscientização de alguns moradores. “No início de todo o processo de isolamento, houve uma adesão mais efetiva. Agora, algumas pessoas estão mais relaxadas, ou com menos temor”, observa. Entretanto, segundo Ângela, há uma “notória a aprovação” desse caminho, por parte da grande maioria da comunidade Itagiense, que continua cumprindo o isolamento e apoiando as medidas municipais de enfrentamento.
Leia a entrevista a seguir.
Como a cidade de Itagi tem agido no combate ao coronavírus e quais medidas têm sido adotadas diante da pandemia?
O município de Itagi tem enfrentado este momento de pandemia mundial com muito esforço e resiliência para manter a sensibilização popular quanto ao isolamento social e demais medidas preventivas contra o coronavírus. Para isso, tem utilizado várias ferramentas, desde a divulgação de informação em massa até a adoção de ações técnicas direcionadas. Iniciamos a elaboração de um plano de contingência, publicado em 18 de março, com a formação de um comitê municipal de enfrentamento à Covid-19 (Decreto Municipal 019/2020); e agimos rapidamente, por meio do Decreto Municipal 023/2020, na formação de cinco barreiras sanitárias em todas as entradas e saídas da cidade.
O Hospital de Itagi dispõe de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e de leitos, caso haja algum caso confirmado de coronavírus na cidade que necessite desse suporte? A cidade conta com os aparelhos de ventilação pulmonar?
O município não dispõe de Unidade de Terapia Intensiva. Existe a intenção, por parte da gestão, de adquirir aparelhos de ventilação pulmonar, caso haja necessidade. Salientamos que o hospital de pequeno porte de Itagi teve sua reforma suspensa a fim de disponibilizar leitos para a assistência aos pacientes suspeitos de infecção pelo coronavírus, a partir dos protocolos de atendimento preconizados pelo Ministério da Saúde. No momento, temos um caso confirmado.
Como tem sido o controle sanitário nas estradas e qual a importância desse controle na prevenção do coronavírus, para uma cidade como Itagi?
Consideramos a função das barreiras fundamentais para diminuir ao máximo a circulação do vírus. A formação da primeira barreira sanitária se deu na BA130 pelo Decreto Municipal 023/2020, no lado norte de Itagi, a partir do dia 22 de março. Dois dias depois, foi feita a formação de outras quatro barreiras sanitárias em outros pontos de entrada e saída da cidade. As barreiras são compostas por aproximadamente 64 funcionários da prefeitura municipal, trabalhando 24 horas em regime de escala, considerando quatro pessoas a cada 6 horas por barreira. Para viabilizar o trabalho, foi desenvolvida toda uma logística de funcionamento pela Secretaria Municipal de Saúde, por meio do Comitê da Saúde, com provimento de insumos, equipamentos de proteção individual (EPIs), alimentação, locomoção dos profissionais escalados para as barreiras, locomoção de profissionais de saúde para realização das investigações e monitoramento, entre outros.
Nas barreiras têm sido desenvolvidas atividades de educação em saúde, direcionadas à prevenção da infecção pela Covid-19, aferição de temperatura das pessoas que ingressam no município, notificações de isolamento, segundo as recomendações de atuação municipal nas barreiras sanitárias para enfrentamento do coronavirus da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), além da restrição da entrada de pessoas que não são residentes ou que não possuam imóvel na cidade, salvo algumas situações muito específicas, como a entrada de caminhões e carros de produtos que abastecem Itagi.
Como a população vem reagindo de modo geral à pandemia e às medidas?
As notificações e investigações de denúncias informais começaram a surgir logo depois de implantarmos o plano de contingência. A partir da demanda da sociedade criamos o disque Covid-19, programa que funciona sob a supervisão da Secretaria de Saúde de Itagi, através da disponibilização dos números de celulares dos representantes das principais unidades de saúde de cada bairro. O disque Covid-19 funciona todos os dias e nos fins de semana. Com ele é possível fazer o agendamento das denúncias e suspeitas de possíveis casos de coronavírus.
Como têm sido feitos os testes ou pré-testes para monitoramento de casos na cidade?
As informações quanto à necessidade de monitoramento são fundamentadas a partir do recolhimento das notificações de isolamento, realizadas 24 horas nas cinco barreiras da cidade. Assim, as notificações são sistematicamente colhidas e entregues diariamente às enfermeiras das Unidades de Saúde Familiar (USFs), para que em sequência às investigações nos domicílios de destino dos visitantes, com averiguação do cumprimento das orientações de isolamento, bem como observação do estado de saúde e queixas dos acompanhados. Desse modo, segue-se o fluxo de referência e contrarreferência dessas pessoas para as unidades municipais de saúde, se necessário. Além disso, o município dispõe de uma equipe de vigilância à saúde alerta em todo o período, para prestar assistência a qualquer caso suspeito, em conformidade com as portarias e notas técnicas federais que regem as ações neste momento de pandemia.
Itagi é uma cidade cuja principal atividade financeira vem do comércio, e as feiras são parte essencial da subsistência da população. Como ficou a situação das feiras livres na cidade?
A feira livre tem funcionado com um potencial menor de comercialização (com fornecedores apenas da cidade). Além disso, as barracas são organizadas de forma a não provocar aglomerações.
As cidades vizinhas têm cooperado?
As cidades vizinhas estão procurando cumprir seu papel neste momento, cada uma com sua estratégia, sem muitas interações nesse sentido.
*Esta entrevista teve a colaboração da professora Michele Santos Silva, que atua nas barreiras sanitárias de Itagi, para controle da pandemia.