Reconstruir ou avançar: dilemas políticos atuais – por Sonia Fleury

Reconstruir ou avançar: dilemas políticos atuais – por Sonia Fleury

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O texto a seguir refere-se à aula inaugural proferida pela pesquisadora Sonia Fleury, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz), a convite do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA). Em sua exposição, Sonia Fleury aborda as pesquisas que vem levando à frente, a partir das quais analisa a conjuntura atual do país. "Creio que os resultados das pesquisas indicam problemas e alternativas para os impasses que vivemos", aponta. Leia a seguir a íntegra da aula proferida pela pesquisadora. 

Por Sonia Fleury *

Em primeiro lugar, quero agradecer a oportunidade de voltar ao ISC/UFBA e a Salvador, encontrar com os velhos companheiros, sentir saudades do Sebastião Loureiro e desfrutar da companhia das minhas jovens pesquisadoras e dos estudantes da pós-graduação em Saúde Coletiva.

No convite que me foi feito eu poderia optar por fazer uma análise de conjuntura ou falar dos resultados das minhas pesquisas. Decidi juntar os dois, pois creio que os resultados das pesquisas indicam problemas e alternativas para os impasses que vivemos na conjuntura atual. Começo com as questões que se apresentam para o Governo Lula-Alckmin, que assumiu o slogan União e Reconstrução, assinalando que tanto a eleição quanto o governo de reconstrução requerem a consolidação de uma frente ampla. Algumas questões que nos ocorrem?

 Uma frente tão ampla permite reconstruir e avançar? Em que medida as mudanças processadas diante da conjuntura crítica que vivemos recentemente – governo autocrático + pandemia – permitem a reconstrução das relações intergovernamentais e entre os poderes da República? A reconstrução/união será capaz de fazer frente à persistente polarização na sociedade, ao crescimento da ultradireita no mundo e sua articulação internacional e midiática, à convergência de interesses espúrios entre a mídia comercial, o capital financeiro e os setores conservadores? A manutenção da política de austeridade que constitucionalizou o equilíbrio fiscal e, adicionalmente a pressão constante do legislativo para preservação do controle do orçamento por um Congresso ultraconservador, inviabilizarão a reconstrução das políticas e frustrarão as expectativas populares e de movimentos sociais?

São tantas as questões que nos angustiam que não tenho pretensões de responder de forma cabal, mas de usar minha experiência como analista de conjuntura e pesquisadora de políticas públicas e movimento sociais para refletirmos juntos neste espaço acadêmico privilegiado. Tenho me dedicado a estudar as políticas e a sociedade a partir de 3 linhas de pesquisa, que envolvem um conjunto de pesquisadores de diferentes instituições, muito qualificados, algumas das quais são integrantes deste programa de pós-graduação. Não tenho como nomear cada uma das minhas companheiras e companheiros de pesquisa, mas quero deixar claro que, apesar dos incentivos institucionais na área acadêmica se concentrarem no individualismo e na competição, a realidade demonstra que essa perspectiva está completamente defasada da realidade e devemos lutar para superá-la, introduzindo no sistema de financiamento à pesquisa, de publicações e avaliação científica, indicadores de cooperação. 

Um sistema de avaliação que valorize a visão do nosso trabalho como parte de um projeto de uma sociedade solidária, fundada nos princípios da ética e da promoção da justiça social, visando tratar a ciência como um bem comum – common goods –, promovendo uma esfera pública do comum cada vez mais ampliada. Trata-se de um projeto que pode combinar soberania nacional com a capacidade de desenvolvimento de C&T para atender a demanda pelo acesso universal aos produtos, insumos e serviços necessários a assegurar melhor qualidade de vida e combater as desigualdades injustas. A pandemia nos ensinou que é imprescindível avançarmos nessa direção, mostrou que não só é necessária como a colaboração é possível e potencializadora, mas também evidenciou os impasses na governança global e a incapacidade de efetuar uma distribuição mais equitativa dos avanços técnicos e científicos conquistados com recursos majoritariamente públicos e de forma colaborativa.

As pesquisas que desenvolvemos nos últimos anos foram: a) Tensões e inovações no federalismo brasileiro na conjuntura crítica da pandemia de Covid-19 e do governo autocrático negacionista; b) Desdemocratização e desmonte da Proteção Social como ameaças à Cidadania; c) Dicionário de Favelas Marielle Franco. 

Leia o texto na íntegra
 

* Publicado Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS). Aula inaugural da Pós-Graduação do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA).