América Latina subestima a desigualdade, aponta Cepal
Em 2019, o número de pessoas em situação de pobreza na América Latina aumentou de 185 milhões para 191 milhões, um avanço de seis milhões em comparação com o registrado no ano anterior. Além disso, as pessoas em condições de extrema pobreza passaram de 66 milhões para 72 milhões. As informações constam do relatório Panorama Social da América Latina 2019, apresentado, em 28/11/19, em Santiago. Para a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), o combate à desigualdade na América Latina deve ser encarado como uma estratégia de desenvolvimento. “É necessário crescer para igualar e igualar para crescer. A superação da pobreza na região não exige apenas o crescimento econômico; isso deve ser acompanhado por políticas redistributivas e políticas fiscais ativas”, afirma a Cepal.
Da Cepal
“Por quase uma década, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) posicionou a igualdade como base do desenvolvimento. Hoje, constatamos novamente a urgência de avançar na construção do Estado de Bem-Estar, baseado em direitos e na igualdade, que outorguem a seus cidadãos e cidadãs acesso a sistemas integrais e universais de proteção social e a bens públicos essenciais, como saúde e educação de qualidade, habitação e transporte. A convocação é para criar pactos sociais para a igualdade ”, afirmou Alicia Bárcena, Secretária-Executiva do organismo regional, durante o lançamento do relatório Panorama Social da América Latina 2019.
A diminuição da desigualdade de renda é fundamental para retomar o caminho da redução da pobreza e cumprir as metas estabelecidas no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 1 da Agenda 2030. “É necessário crescer para igualar e igualar para crescer. A superação da pobreza na região não exige apenas o crescimento econômico; isso deve ser acompanhado por políticas redistributivas e políticas fiscais ativas”, afirma a CEPAL no estudo apresentado hoje, em uma coletiva de imprensa em Santiago, Chile.
O documento destaca o crescimento dos estratos de renda média, embora eles continuem experimentando várias carências e vulnerabilidades, tanto em relação à sua renda quanto no exercício de seus direitos, alerta a Comissão. Entre 2002 e 2017, a participação dos estratos de baixa renda no total da população diminuiu de 70,9% para 55,9% (percentual que inclui as pessoas em situação de extrema pobreza, pobreza e em estratos inferiores não pobres). Por sua vez, a participação dos estratos de renda média (divididos em médio-baixo, médio-médio e médio-alto) cresceu de 26,9% para 41,1%. Dessa forma, 76,8% da população da América Latina pertence a estratos de renda baixa ou média-baixa, destaca a CEPAL. Por último, as pessoas que pertencem aos estratos de renda mais alta passaram de 2,2% para 3,0% do total.
Do total da população adulta pertencente aos estratos de renda média, mais da metade não havia concluído o ensino médio e em 2017; 36,6% foram inseridos em ocupações com alto risco de informalidade e precariedade (trabalhadores por conta própria não profissionais, assalariados não profissionais em microempresas e serviço doméstico); e apenas a metade das pessoas economicamente ativas eram afiliadas ou contribuintes em um sistema de previdência. O principal preceptor da renda do trabalho desses estratos recebe em média US$ 664 por mês, enquanto nos estratos mais baixos essa renda cai para US$ 256. Assim, o relatório mostra que uma alta proporção da população de renda média experimenta importantes déficits de inclusão social e do trabalho e um alto grau de vulnerabilidade ao retorno à pobreza diante das mudanças provocadas pelo desemprego, pela queda de sua renda ou outros eventos catastróficos, como doenças graves e desastres.
Confirmando a tendência ao aumento apresentado desde 2015 na América Latina, 30,1% da população da região estava abaixo da linha da pobreza em 2018, enquanto 10,7% vivia em situação de extrema pobreza, taxas que aumentariam para 30,8% e 11,5%, respectivamente, em 2019, segundo projeções da CEPAL.
Isso significa que aproximadamente 185 milhões de pessoas estavam abaixo da linha da pobreza em 2018, das quais 66 milhões estavam na extrema pobreza, indica o Panorama Social da América Latina 2019. Em 2019, o número de pessoas na pobreza aumentaria para 191 milhões, dos quais 72 milhões estariam na extrema pobreza. Destaca-se, nessa evolução, o fato de que praticamente todas as pessoas que são somadas às estatísticas de pobreza desse ano se integram diretamente à extrema pobreza.
O aumento de 2,3 pontos percentuais da pobreza entre 2014 e 2018 na média regional é explicado basicamente pelo aumento registrado no Brasil e na Venezuela. Nos demais países, a tendência dominante nesse período foi de queda, devido principalmente a um aumento da renda do trabalho nos domicílios de menores recursos, mas também, às transferências públicas dos sistemas de proteção social e privada, como as remessas em alguns países. A pobreza afeta principalmente crianças e adolescentes, mulheres, povos indígenas e afrodescendentes, os que residem em zonas rurais e os desempregados.
O estudo da CEPAL também aponta que a desigualdade na distribuição de renda - expressa no índice de Gini com base nas pesquisas em domicílio - continuou sua tendência de queda (em média, caiu de 0,538 em 2002 para 0,465 em 2018 em 15 países), mas em um ritmo menor do que nos últimos anos: enquanto entre 2002 e 2014 diminuiu 1,0% ao ano, entre 2014 e 2018 a queda foi de 0,6% ao ano. No entanto, se o índice de Gini for corrigido usando outras fontes de informação, capazes de captar melhor a renda do 1% mais rico, observa-se que a desigualdade é mais elevada e a tendência de declínio é atenuada em comparação com a estimada somente a partir das pesquisas em domicílio.
Por exemplo, no Brasil, em 2014, a participação do 1% mais rico no total da renda do país alcançava 9,1%, de acordo com as pesquisas em domicílios, percentual que subia para 27,5%, levando em consideração as informações fiscais. No Chile (dados de 2015), a participação do 1% mais rico na renda total, também medida pelas pesquisas em domicílio, atingia 7,5%, proporção que subia para 22,6%, considerando as informações dos registros fiscais e para 26,5% no caso da riqueza líquida (ativos financeiros e não financeiros menos passivos) e no Uruguai (dados de 2014) as proporções também aumentam: 7,3% (com pesquisas em domicílio), 14% (informações fiscais) e 17,5% (riqueza líquida).
Por outro lado, o Panorama Social da América Latina 2019 indica que o gasto social do governo central aumentou de 10,3% para 11,3% do PIB entre 2011 e 2018, alcançando 52,5% do gasto público total. A América do Sul tem a média do gasto público social mais alto da região (13,2% em 2018), enquanto na América Central, México e República Dominicana esse número é de 9,1%. No Caribe, o gasto social médio em relação ao PIB é mais alto (12,2%), mas em 2018 voltou aos níveis de 2014, com um peso equivalente a 43,2% do gasto público total. O estudo adverte que precisamente os países que enfrentam os maiores desafios para cumprir as metas da Agenda 2030 são aqueles com os níveis mais baixos de gasto social.
Por fim, o documento pede para atender as causas estruturais da migração e o fortalecimento da cooperação multilateral para garantir a proteção social e a inclusão social e do trabalho dos migrantes em todas as etapas do ciclo migratório. Entre 2010 e 2019, o número de migrantes na América Latina e no Caribe aumentou de 30 para 40,5 milhões, o equivalente a 15% do total de migrantes em todo o mundo. Entre 2000 e 2019, a proporção de migrantes intrarregionais aumentou de 57% para 70% do total.
As remessas desempenham um papel importante no alívio da pobreza em vários países, afirma o documento. Em El Salvador, Guatemala, Honduras e República Dominicana, a incidência de pobreza sobre o total da população seria entre 1,5 e 2,4 pontos percentuais mais elevada se não fosse por essas transferências de dinheiro.
No relatório, a CEPAL enfatiza que, para erradicar a pobreza e reduzir a desigualdade e a vulnerabilidade dos estratos de baixa e média renda, são necessárias políticas de inclusão social e do trabalho. Também, é necessário um mercado de trabalho que garanta emprego de qualidade e salários decentes, eliminando barreiras na inserção de trabalho das mulheres e fortalecendo o desenvolvimento de sistemas de proteção social integrais e universais no âmbito do Estado de Bem-Estar Social, focados nos direitos e na igualdade.