O envelhecimento populacional compromete o crescimento econômico no Brasil?
O Brasil, em decorrência da transição demográfica, está passando por um intenso e rápido processo de envelhecimento populacional, como mostraram Alves e Cavenaghi em capítulo do livro “Longeviver, política e mercado”, organizado por Côrte e Lopes (2019).
O número de brasileiros idosos de 60 anos e mais era de 2,6 milhões em 1950 (4,9% do total), passou para 29,9 milhões em 2020 (14% do total) e deve alcançar 72,4 milhões em 2100 (40% do total populacional). O número de brasileiros idosos de 80 anos e mais era de 153 mil em 1950 (0,3% do total), passou para 4,2 milhões em 2020 (2% do total) e deve alcançar 28,2 milhões em 2100 (15,6% do total populacional).
A pirâmide etária brasileira passa por enorme transformação. Na maior parte do século passado a pirâmide tinha uma base larga e um topo muito estreito. No final do século XX e no início XXI a base da pirâmide se estreitou e houve um alargamento do meio da pirâmide. Isto quer dizer que existe atualmente uma grande proporção de pessoas em idade ativa e o Brasil vive o período conhecido como bônus demográfico, que é um momento em que a demografia dá um gás para a economia. O encorpamento do topo da pirâmide e o fim definitivo do bônus demográfico vai ocorrer, principalmente, na segunda metade do atual século.
O jornal Folha de São Paulo (FSP), em manchete estampada com destaque na edição de 09 de fevereiro de 2020, disse que o “Envelhecimento do Brasil já compromete o crescimento” e que o país “já vive um ônus demográfico”. A matéria foi realizada com base em um estudo do IBRE (Instituto Brasileiro de Economia), da FGV.
De fato, com base nas novas projeções da população brasileira, divulgadas pelo IBGE, no dia 25 de julho de 2018, os economistas do IBRE consideram que o bônus demográfico brasileiro terminou em 2018, pois, neste ano, a população em idade ativa (PIA) parou de crescer em ritmo mais veloz do que a população total. Isto é, a população potencialmente ativa (PIA) continua crescendo no país, mas a proporção de pessoas em idade ativa não vai aumentar a partir de 2018.
Embora a literatura proveniente da demografia econômica (Lee e Mason, 2006) considere que o indicador de crescimento da PIA seja relevante para a análise do bônus demográfico, este não é o principal indicador do fenômeno. Como mostrou Turra, o bônus demográfico deve ser avaliado pela relação entre a população ocupada (trabalhadores efetivos) e a população não ocupada (consumidores efetivos): “Durante a transição demográfica, espera-se que o crescimento relativo da população em idade ativa (PIA) amplie a disponibilidade de produtores efetivos em relação aos consumidores efetivos” (Turra, 2018, p. 292).
Portanto, saber se a PIA está crescendo mais rápido ou menos rápido do que a população total é apenas um aspecto do fenômeno. O mais importante é avaliar como se comporta a população ocupada. O gráfico abaixo, com base em três fontes de dados do IBGE, mostra a evolução da relação entre a população ocupada total (e por sexo) em relação ao conjunto da população brasileira de 1950 a 2019, com projeção até 2040.
Analisando os dados dos censos demográficos, nota-se que a população ocupada masculina em relação à população total do país ficou praticamente constante, em torno de 27% entre 1950 e 2010. Já a população ocupada feminina em relação à população total cresceu de 4,7% em 1950 para 19,2% em 2010, mostrando que a inserção da mulher no mercado de trabalho foi o principal componente do bônus demográfico brasileiro. O conjunto dos ocupados (homens + mulheres) em relação à população total passou de 32% em 1950 para 31,7% em 1970 e para 45,3% em 2010, significando que, entre 1970 e 2010, houve um aproveitamento do bônus demográfico, pois a proporção de trabalhadores efetivos aumentou em relação aos consumidores efetivos.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), também mostram que a relação entre a população ocupada e a população total estava aumentando entre 2001 e 2014 (2015 já teve uma pequena queda). Da mesma forma, os dados da PNAD Contínua (para o segundo trimestre do ano) mostram que a relação entre a população ocupada e a população total estava aumentando até 2014 e se reduziu nos anos seguintes que foram de profunda crise na economia brasileira.
Portanto, o Brasil – bem ou mal – estava aproveitando o bônus demográfico até 2014, quando a economia gerava postos de trabalho em proporção superior ao crescimento da população total. Todavia, o quadro muda completamente com a recessão econômica e a crise no mercado de trabalho. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, mostram que o volume de emprego formal em dezembro de 2019 foi de apenas 39 milhões de postos, número abaixo dos 40,8 milhões de dezembro de 2014. Os dados da PNADC mostram que a população ocupada (de 14 anos e mais) em 2014 era de 92,1 milhões de pessoas e caiu para 91,9 milhões em 2018, a despeito do crescimento da população total.
Portanto, o Brasil já estava desperdiçando o seu bônus demográfico desde 2014 e desde a crise econômica que reduziu o percentual da população ocupada. Sem embargo, este desperdício da janela de oportunidade demográfica não tem relação direta com o envelhecimento populacional, pois a PIA continuava crescendo acima do crescimento da população total entre 2014 e 2018. O desperdício do bônus tem mais a ver com os fundamentos da economia brasileira (crise fiscal, baixa taxa de investimento, baixa competitividade internacional, etc.).
Mesmo no período 2020 a 2040 – quando a PIA estiver crescendo, mas em ritmo menor do que ao conjunto da população – é possível aproveitar o bônus demográfico se o percentual da população ocupada (PO) em relação à população total (PT) continuar aumentando. O gráfico acima, mostra uma projeção do aumento da PO em relação à PT passando de 50% em 2020 para 52% em 2030 e 53% em 2040 (sendo 27% para 27,2% no caso dos homens e 23% para 25,8% no caso das mulheres).
Esta projeção do aumento da proporção da população ocupada brasileira para o valor máximo de 53% pode até ser considerada conservadora, diante de experiências como as da China e do Vietnã que chegaram a ter cerca de 60% da população total ocupada.
Indubitavelmente, o que o gráfico acima indica é que o Brasil poderia aproveitar o bônus demográfico até 2040 e ainda reduzir as desigualdades de gênero no mercado de trabalho, dando continuidade à maior inserção feminina nas atividades produtivas. Portanto, conseguir “pleno emprego e trabalho decente” (bandeira da Organização Internacional do Trabalho – OIT), juntamente com avanços na educação, poderiam fazer o Brasil dar um salto no seu índice de desenvolvimento (passando de renda média para renda alta) e aproveitar os 20 anos que restam para o fechamento da janela de oportunidade demográfica.
Porém, a pandemia da covid-19, que chegou ao Brasil com um certo atraso, mas com uma força desproporcional, em decorrência da incapacidade do poder público de equacionar uma resposta eficaz para conter a propagação do coronavírus mudou o quadro geral.
Como escrevi em artigo para boletim da Anpocs (11/05/2020): A pandemia da covid-19 não poderia chegar ao Brasil em pior hora. A economia brasileira já estava enfraquecida, com “esclerose múltipla” e com várias “doenças” de risco, como baixa produtividade, baixa competitividade internacional, baixo dinamismo na produção de bens e serviços, baixa geração de emprego decente, baixa geração de renda, baixo investimento e com “pressão alta” no déficit fiscal, na dívida pública e nos indicadores de pobreza e desigualdade social.
A experiência internacional mostra que nenhum país consegue enriquecer depois de envelhecer. Países de renda média que não aproveitam o bônus demográfica costumam ficar presos eternamente na “Armadilha da renda média”. Mas este ainda não era o caso brasileiro. O Brasil ainda poderia dar o salto para o clube de países com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Mas a pandemia do novo coronavírus tornou tudo mais difícil. Como afirmei no mesmo artigo publicado no boletim da Anpocs:
“As atuais adversidades poderão ser o enterro da ideia fundamental da emancipação via trabalho e do direito à autodeterminação produtiva. Enfim, pode ser o fim do sonho de uma nação livre, democrática, soberana e próspera”.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Publicado em EcoDebate, em 15/05/2020.