Um novo modelo de financiamento do SUS – por Francisco Funcia

Um novo modelo de financiamento do SUS – por Francisco Funcia

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Em cenário de crise econômica, os gastos em saúde devem cair em função do Produto Interno Bruto (PIB) ou em função da Receita? Essa flutuação tem ocorrido historicamente e é agravada com a Emenda Constitucional 95 (EC 95): pela atual regra do piso federal da saúde – calculado em 15% da receita corrente líquida de 2017, congelado pela EC95 e limitado à atualização pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Temos, hoje, uma regra de cálculo do piso da saúde fortemente condicionada a variáveis cíclicas. As regras fiscais são rígidas e sobrepostas – a EC 95 congela o piso da saúde e estabelece o teto de gastos por um período de vinte anos, a partir de 2016. Essa rigidez não é vista em qualquer outro país e traz um sensível desfinanciamento para o conjunto das políticas sociais. Há, também, uma meta de resultado primário, pró-cíclica, que implica cortes de despesas quando há queda de arrecadação. 

No entanto, em momentos de crise, justamente quando as necessidades sociais, em especial, as de saúde, aumentam, é preciso contar com financiamento mais estável no tempo, que não sofra os impactos das crises econômicas ou da falta de fontes específicas vinculadas ao orçamento da Seguridade Social.

Nesse sentido, a Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres) está concluindo um documento preliminar com a participação de Francisco Funcia, Erika Aragão, Bruno Moretti, Carlos Ocké, Mariana Melo e Rodrigo Benevides e debatendo com as entidades ligadas à Reforma Sanitária Brasileira e movimentos sociais e populares de saúde uma nova política de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), no contexto do orçamento da Seguridade Social trazido pela Constituição de 1988. 

O documento pretende acompanhar uma tendência internacional de modelo mais flexível de financiamento da política social, com prioridade para a inclusão social e a sustentabilidade ambiental, que possibilite gastos estratégicos para garantir os direitos de cidadania e o crescimento econômico.

Para os autores do documento, a tese do país quebrado é falsa – além dos equívocos da atual política monetária, que tem aumentado os encargos financeiros do governo federal com a subida da taxa de juros. Isso porque os limites fiscais são artificiais, a dívida pública está lastreada em reais, as reservas internacionais estão elevadas, o balanço de pagamentos se mantém estabilizado e, até agora, os fundamentos macroeconômicos não apontam uma trajetória explosiva da relação Dívida/PIB.

Se resolvermos o problema do atual regime fiscal, precisaremos de uma nova regra do piso da saúde na esfera federal, caso se queira, de fato, eliminar as iniquidades de acesso ao serviço público, bem como melhorar as condições de assistência à saúde da população brasileira

É importante destacar, conforme propõe o documento, que, se resolvermos o problema do atual regime fiscal, precisaremos de uma nova regra do piso da saúde na esfera federal, caso se queira, de fato, eliminar as iniquidades de acesso ao serviço público, bem como melhorar as condições de assistência à saúde da população brasileira. Essa nova regra do piso deve incorporar a mudança do perfil demográfico (caracterizada pelo crescimento da população idosa), a redução da iniquidade de acesso (referenciada pela expansão da renúncia de receita dos últimos anos para os contribuintes que realizam gastos privados ou contratam plano de saúde) e variação da inflação.

Desse modo, será preciso reverter em favor do SUS a relação público-privado no gasto total em saúde, para que o gasto público seja maior que o gasto privado (60% x 40%) e para, assim, garantir a universalidade e a integralidade, princípios do sistema, conforme se observa nos países desenvolvidos. 

É preciso, também, aumentar a participação do gasto federal no interior do setor público e garantir o crescimento real per capita do gasto público federal em saúde, que permita ampliar transferências aos entes federados em momentos de crise, de modo que o gasto em saúde funcione como um estabilizador, compensando a queda de arrecadação de estados e municípios. Atualmente o governo federal tem uma participação ligeiramente superior a 40%.

Queremos que a saúde seja o gancho para uma discussão ampliada sobre a necessidade de mudarmos a política econômica baseada na austeridade fiscal, que tem reduzido os recursos federais para o financiamento das políticas sociais, especialmente do SUS, e impedido o crescimento econômico capaz de gerar emprego e renda

É importante salientar a necessidade de reformas estruturais, a começar pela proposição de uma nova regra fiscal, capaz de abrir espaço no orçamento para gastos com forte efeito multiplicador e redistributivo, bem como conferir estabilidade e absorver futuras necessidades de saúde, por meio de fontes de custeio que podem ser vinculadas ao orçamento da Seguridade Social. 

Queremos que a saúde seja o gancho para uma discussão ampliada sobre a necessidade de mudarmos a política econômica baseada na austeridade fiscal, que tem reduzido os recursos federais para o financiamento das políticas sociais, especialmente do SUS, e impedido o crescimento econômico capaz de gerar emprego e renda.

*Economista, vice-presidente da Associação Brasileira de Economia em Saúde (Abres). Artigo produzido a partir da exposição realizada no seminário Proposta de nova política de financiamento do SUS, promovido pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) em 30/05/2022. 

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