Pesquisadores de 10 instituições de pesquisa assinam manifesto em defesa de um novo projeto de desenvolvimento induzido pela Saúde
Pesquisadores de 10 instituições de pesquisa assinam manifesto em defesa de um novo projeto de desenvolvimento econômico sustentável e inclusivo, induzido pela Saúde
Manifesto por um novo projeto de desenvolvimento induzido pela Saúde integra o livro Saúde é Desenvolvimento: o Complexo Econômico-Industrial da Saúde como opção estratégica nacional, lançado no dia no dia 7 de dezembro no Auditório de Bio-Manguinhos, campus da Fiocruz, Rio de Janeiro.
O trabalho é fruto de pesquisa, debates e reflexões de grupo coordenado pelo economista e pesquisador Carlos Gadelha, coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE/Fiocruz). A coordenação adjunta do projeto é dividida entre José Cassiolato (Instituto de economia da UFRJ) e Denis Gimenez (Instituto de Economia da Unicamp).
Assinam o manifesto os 43 autores que, a partir do conteúdo exposto no livro, propõem dez pilares conceituais e políticos para orientar as transformações necessárias. Confira a íntegra a seguir:
Manifesto
Saúde é Desenvolvimento
O Complexo Econômico-Industrial da Saúde como opção estratégica nacional
Um novo projeto de país orientado pelo bem-estar, pela equidade e pela sustentabilidade ambiental deve nortear uma nova estratégia de reconstrução da economia nacional, que supere a falsa polarização entre a economia e a vida das pessoas e do planeta.
No período recente assistimos à tragédia de um país que não cresce, não gera empregos nem renda, que nega a ciência, volta ao mapa da fome, e cujo Estado fragilizado é incapaz de cumprir suas funções elementares de prover saúde e educação, de cuidar das pessoas e do meio ambiente. A violência mostra sua face nas armas utilizadas contra pobres e pretos em territórios excluídos dos direitos de cidadania.
Propomos uma visão de desenvolvimento para voltarmos a erguer a cabeça de um povo que conseguiu construir o SUS como maior sistema universal do mundo em termos de população, aqui nos trópicos, no Hemisfério Sul, contra todos os perversos pessimistas que não achavam possível termos um sistema para garantir o acesso universal, integral e equânime para 212 milhões de brasileiras e brasileiros. Hora de avançar e quebrar outros mitos que precisam ser derrubados. Utopias precisam ser reerguidas, energias da cooperação solidária precisam ser reacendidas.
Esse projeto ousado de solidariedade social, objetivo fundamental da Constituição de 1988, só é possível em uma nova economia nacional. A aposta no desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) representa a reconciliação de um modelo de desenvolvimento com os direitos humanos, a democracia substantiva e a vida. O que dizem ser nossas mazelas são nossas oportunidades econômicas para reconstruir e refazer um Brasil melhor com base em uma nova ética humana e planetária.
A saúde e os direitos socioambientais não apenas representam o compromisso com a população e o planeta, mas são também as novas fontes para a retomada e reconstrução econômica, gerando produto e renda, empregos dignos e de qualidade e sendo motor da pesquisa realizada no país no contexto da revolução digital em curso, fornecendo o potencial para a redução da desigualdade global no conhecimento.
A perspectiva do desenvolvimento do CEIS no Brasil mostra que é possível uma reconstrução que supere as heranças que remontam à escravidão, à exclusão, ao racismo, à desigualdade entre as pessoas e às regiões. É preciso um novo Estado para reconstruir e mudar a sociedade, cuidar das pessoas e dos territórios que são a alma e a energia de nosso país.
Crescer, sim! Gerar empregos, sim! Retomar investimentos, sim! Inovar e gerar conhecimento, sim! Mas, sempre perguntando para que, para quem e onde! Para construir uma sociedade soberana, equânime e democrática. Para integrar a nação e reconstruir a vida partida entre territórios e cárceres que aprisionam nossa solidariedade e nossa construção de um bem que seja, de fato, comum.
Com base nessa perspectiva, ao mesmo tempo ambiciosa e realista, apresentamos dez pilares conceituais e políticos para orientar a transformação necessária:
1. A vida e a economia não são excludentes. A economia é o meio. A vida é o fim. E a defesa da vida gera um novo modelo de desenvolvimento. O CEIS pode orientar uma nova economia nacional dinâmica, sustentável e inclusiva, gerando 10% do PIB, 20 milhões de empregos diretos e indiretos e 35% da pesquisa nacional.
2. A soberania nacional e a redução da vulnerabilidade sanitária dependem de um CEIS forte, inovador e orientado ao acesso universal. Hoje o CEIS depende de US$ 20 bilhões em importações por ano que não representam apenas uma dependência econômica, mas uma opção velada pela exclusão baseada em um modelo de economia nacional que perversamente separa ética e economia, renda e vida e nega acesso à saúde à maioria das pessoas. O país deve fortalecer a produção nacional de bens e serviços estratégicos em saúde, garantindo o acesso universal de modo soberano.
3. Não há oposição entre Economia e Estado, como revelado na saúde. Na experiência histórica de todos os países que se desenvolveram, dois pilares se mostraram essenciais: um Estado capaz de orientar, de modo explícito ou implícito, um projeto de sociedade e de inserção global; e uma economia forte e dinâmica, capaz de gerar renda e emprego e financiar as políticas públicas sociais e de CT&I. O gasto social articulado à produção local induz a inovação, faz o PIB crescer e nos torna uma sociedade melhor.
4. O projeto de fortalecimento do CEIS dá um novo sentido à reindustrialização nacional, orientada pela demanda social e pela nossa Constituição, para gerar inclusão, acesso aos bens públicos e à defesa do meio ambiente. A saúde possui papel-chave em todas as indústrias do futuro e conforma um sistema econômico que conecta a produção às demandas sociais por meio dos serviços de saúde e da atuação dos profissionais de saúde em todo o território nacional, possibilitando a reconexão entre o padrão de desenvolvimento econômico e o cuidado as pessoas.
5. Os territórios e as regiões do Brasil possuem enorme potência inexplorada pela limitação cognitiva dos padrões de (sub)desenvolvimento do passado. O CEIS está presente em todos os territórios que tenham uma atenção primária, um cuidado. O CEIS é uma enorme possibilidade de integrar o país a partir da defesa da vida, gerando solidariedade e, sobretudo, emprego digno para superar as desigualdades entre as pessoas de acordo com seu local de nascimento.
6. Saúde é qualidade de vida e não ausência de doença. Não há política ambiental, desenvolvimento sustentável, ou Agenda 2030, sem um SUS forte e sem a base econômica e produtiva da saúde como atividade indutora e líder de tecnologias e práticas sustentáveis. Um novo modelo de atenção voltado para a promoção, a prevenção e norteado pela atenção primária deve servir de exemplo de reorientação produtiva que pode não poluir, não produzir lixo tóxico e não contribuir para elevar a temperatura do planeta. Apresentamos o CEIS como um novo modelo de sustentabilidade para o país e para o mundo!
7. O bem-estar social e o financiamento do SUS são investimentos valiosos da sociedade. Ao ampliar produção, emprego e produtividade, o fortalecimento do CEIS contribui para o equilíbrio da tão propalada relação entre a dívida pública e PIB, financiando o Estado e aumentando o Produto. O triste binarismo entre vida e economia deve ser desmontado e apresentado como uma falácia para a extração de renda por poucos em uma economia estagnada. O CEIS é um
caminho para a geração de bons empregos em larga escala. Pode mobilizar, direta ou indiretamente, 25 milhões de empregos dignos para cuidar das pessoas, proporcionar a qualificação e o aprendizado permanente nas novas tecnologias digitais, promovendo a inclusão, o cuidado com o ambiente e a superação das inequidades de renda, raça e gênero.
8. Não há saúde com miséria e fome. O potencial de geração de emprego e renda no interior da própria saúde, mobilizando o CEIS e articulando inovação com uma rede nacional e local de cuidadores da vida se apresenta como uma saída estruturante que garante, simultaneamente, rendas fiscais para a proteção social e uma estrutura de emprego estável e em expansão. A saúde rompe, mais uma vez a falsa dicotomia entre inovação e desemprego, mediante o fortalecimento do cuidado coletivo humanizado incorporando as novas tecnologias digitais. Sistemas universais geram assistência, uma rede de proteção social e as portas de saída da miséria e da fome.
9. A saúde fornece uma chave para articular um esforço simultâneo de fortalecimento da ciência, da tecnologia e da inovação e sua orientação para os desafios nacionais. A saúde e as respostas do SUS, como revelado pelo contexto da pandemia, requerem uma CT&I soberana para reduzir dependência estrutural e permitir a entrada nos conhecimentos abarcados pela 4ª revolução tecnológica. O enfrentamento dos desafios sociais e ambientais contemporâneos depende tanto do conhecimento científico que permite orientar o cuidado (como o uso de máscaras ou a atenção primária) até as inovações relacionadas às vacinas, testes, equipamentos, medicamentos e novos tratamentos. O CEIS impacta em mais de um terço de toda pesquisa produzida no país, podendo ser exemplar para uma ciência comprometida com as pessoas, o bem-estar e o planeta.
10. Propomos que esse novo projeto de desenvolvimento integre a dimensão nacional com a dimensão global. O CEIS se apresenta como uma possibilidade estratégica de cooperação entre os povos que, para além da filantropia e das meritórias doações, seja baseada em uma atuação geopolítica que lute para a redução das assimetrias globais em saúde e não deixe ninguém para trás, sobretudo no âmbito da América Latina e da África, e contribua para o fortalecimento do Brasil como agente global.
Saúde é desenvolvimento e o CEIS mostrou sua potência como uma opção estratégica para o País. Uma opção que, ao mesmo tempo, é um novo projeto de país. É um compromisso com a nação e suas regiões, com a democracia, com a equidade, com a ciência, com o planeta e com um novo Estado enraizado na sociedade para enfrentar os grandes desafios nacionais.
Brasil, dezembro de 2022
Assinado por todos os autores do livro: Saúde é Desenvolvimento
O Complexo Econômico-Industrial da Saúde como opção estratégica nacional
Carlos A. Grabois Gadelha, Jose Eduardo Cassiolato, Denis M. Gimenez, André Krein, Antonio Cruz, Anselmo dos Santos, Bruno Moretti, Camila Fonseca, Carolina Bueno, Cecilia Lustosa, Celio Hiratuka, Clarice Araújo, Cristina Lemos, Esther Dweck, Felipe Kamia, Fernando Sarti, Gabriela Maretto, Gabriela Podcameni, Gabriela Rocha, Grazielle David, Helena Lastres, Igor Bueno, José Maldonado, Juliana Cajueiro, Juliana Moreira, Karla Montenegro, Leandro Safatle,Lucas Teixeira, Marcelo Manzano, Marcelo Matos, Marco Nascimento, Marco Vargas, Maria Fernanda C. de Melo, Maria Lucia Falcón, Marina Szapiro, Nathalia Alves, Paulo Cavalcanti, Pedro Rossi, Rodrigo Sabbatini, Sérgio Castro, Thiago Sugimoto, Valdênia Apolinário