Roda de conversa em Camaragibe destaca modelo brasileiro de atenção primária reconhecido pela OMS, com participação do ResiliSUS/CEE e Imperial College

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Roda de conversa em Camaragibe destaca modelo brasileiro de atenção primária reconhecido pela OMS, com participação do ResiliSUS/CEE e Imperial College



POR Daiane Batista

PUBLICADO 06/10/2025

Como parte de um projeto de cooperação entre o Laboratório de Tecnologia, Informação e Resiliência (ResiliSUS/CEE-Fiocruz), nos dias 5 e 6 de setembro de 2025, pesquisadores brasileiros e britânicos se reuniram em Camaragibe (PE) para discutir as semelhanças e diferenças entre o trabalho realizado no Brasil e no NHS, o sistema público de saúde do Reino Unido. A programação incluiu visitas a territórios acompanhadas por agentes comunitários e uma roda de conversa marcada por emoção, gratidão e trocas de experiências.

Entre os participantes estavam os pesquisadores do CEE-Fiocruz, Hugo Bellas e Jaqueline Viana, e, pelo Imperial College London, Matthew Harris, coordenador do programa de Agentes Comunitários de Saúde em Londres, e Connie Junghans-Minton, médica responsável pela supervisão da iniciativa britânica.

Matthew retornou ao território onde iniciou suas pesquisas há mais de 20 anos, revisitando locais simbólicos e reencontrando profissionais da atenção primária.

“Foi uma experiência transformadora. Voltei ao Reino Unido determinado a ensinar meus colegas sobre o trabalho dos Agentes comunitários de Saúde no Brasil. É gratificante ver que, após 20 anos, conseguimos influenciar nosso sistema”.

O professor Matthew Harris apresenta a antiga Clínica da Família, onde atuou há mais de 20 anos, aos especialistas britânicos e brasileiros em visita a Camaragibe (PE).

O momento contou ainda com a presença do prefeito de Camaragibe, da secretária municipal de saúde e da médica de família Alexina de Paula Witt, que moderou a roda de conversa.

A delegação britânica foi composta por médicos e agentes comunitários que atuam em diferentes regiões do Reino Unido. Atualmente, o projeto-piloto em Londres já reúne cerca de 200 agentes, distribuídos em mais de 27 territórios. “É imensamente importante para todos nós estarmos aqui. O trabalho de vocês nos inspirou a levar esse modelo para a Inglaterra”, destacou Harris, emocionado ao agradecer às equipes brasileiras que o apoiaram desde o início das pesquisas.

Roda de conversa na Clínica de Família em Camaragibe (PE).

Os próprios agentes comunitários britânicos também relataram o impacto dessa troca. Maureen Katusabe, uma das primeiras participantes do piloto em Londres, lembrou que o aprendizado começou a partir das experiências brasileiras. A colega Comfort Idowu-Fearon completou: “Sempre que o Matt falava sobre Camaragibe, perguntávamos quando iriamos conhecer esse lugar. Hoje, estar aqui é a realização de um sonho”, destacou.

Para a médica Connie Junghans-Minton, visitar o Brasil trouxe clareza sobre o potencial do modelo.

“Quando o Matt me apresentou a proposta, eu disse que precisava ver de perto. Eu sabia, no coração, que isso funcionava. Estar aqui confirma totalmente essa certeza”.

A médica Caroline Taylor, da Associação Nacional de Saúde Primária (National Association of Primary Care), ressaltou que a iniciativa já começa a se expandir em outras regiões da Inglaterra, e pode, inclusive, alcançar toda a União Europeia. “O que vimos no Brasil levou esse projeto a um novo nível. Ficamos impressionados com a paixão, o entusiasmo e o amor que vocês têm pelo trabalho”, afirmou.

Fiocruz e Imperial College: ciência que conecta territórios

O pesquisador Hugo Bellas, do ResiliSUS/CEE-Fiocruz, destacou a importância da visita à Unidade de Saúde da Família e relata a grandeza da experiência, não só para o Brasil, mas também para a Fiocruz. “Podemos compartilhar o que aprendemos aqui, sobre a atenção primária e o trabalho comunitário, e conhecer os avanços e desafios da implantação do programa de agentes comunitários na Inglaterra”.

Hugo lembrou que durante a realização do seu Pós-doutorado, no Imperial College, em Londres, no ano anterior, pôde acompanhar de perto as visitas domiciliares com os agentes comunitários britânicos. “É fantástico como eles estão conseguindo resultados muito positivos para melhorar a resiliência do sistema de saúde britânico”.

Já a pesquisadora Jaqueline Viana, também do ResiliSUS, ressaltou a relevância da cooperação científica com o Imperial College. “No ano passado tive a oportunidade de estar em Londres, durante o doutorado-sanduíche, e foi incrível ver de perto a implantação do programa dos agentes comunitários. Eles estão numa fase inicial, enquanto nós já temos décadas de experiência. Essa comparação permite dar suporte, mostrar o que deu certo e também o que podemos evitar”.

Para Jaqueline, essa troca tem sido enriquecedora e foi “emocionante ver o quanto o Brasil tem a ensinar a um país considerado de primeiro mundo e observar o quanto podemos aprender com a experiência inglesa”, pontuou.

O retorno às origens e as diferenças entre o trabalho de ACS Brasil e Inglaterra

“Cheguei aqui em 1999, como médico recém-formado, e trabalhei três anos com a equipe local. Foi essa vivência, lado a lado com os agentes, que me inspirou a levar a experiência para a Inglaterra. É maravilhoso estar de volta e ver o quanto esse trabalho segue transformando vidas”, relembrou Matthew. 

De acordo com o pesquisador, na Inglaterra os agentes visitam mensalmente os domicílios, identificam necessidades e trabalham em parceria com médicos de família e equipes de atenção primária, mas isso ainda é algo muito novo para o NHS. “A partir da parceria solida que temos com a Fiocruz, aprendemos muito sobre como esses profissionais são essenciais para um sistema resiliente”.

Para Matthew, a admiração pelo trabalho realizado no Brasil, se dá especialmente pela atuação dos ACSs, uma vez que eles garantem um cuidado mais próximo e humanizado. “O nosso tempo de consulta é mais curto e há menos espaço para escuta”, afirma.

Outro ponto destacado é que, no Reino Unido, a população ainda desconhece o papel dos ACS, o que torna sua atuação menos reconhecida em comparação ao Brasil. Antes do início do projeto-piloto em Londres, o trabalho era considerado muito mais árduo. A presença dos agentes, segundo os britânicos, ajudou a “desafogar o sistema e a reduzir a sobrecarga nos serviços de saúde”.

A médica Connie Junghans-Minton, ressaltou que as principais diferenças se concentram no aspecto cultural e na forma como a atenção primária é organizada. “O que me impressiona no modelo brasileiro é que todos conhecem de fato suas comunidades. Os agentes comunitários conectam famílias, enfermeiros, médicos e gestores. Na Inglaterra, o sistema é muito médico-cêntrico. Esperamos que as pessoas procurem o médico, mas não conhecemos sua realidade cotidiana”, relatou.

Segundo Connie, a inserção dos agentes comunitários trouxe uma nova perspectiva ao trabalho no Reino Unido. “Eles me ajudam a compreender melhor o contexto dos pacientes, inclusive daqueles que não procuram o serviço de saúde. Esse modelo pode transformar a saúde primária inglesa, porque hoje atendemos pessoas quando já estão muito doentes, e isso custa caro ou se torna impossível de resolver. Precisamos mudar para realmente garantir qualidade de vida”.

Outra diferença sentida por Connie, e que, segundo ela, impressiona no Brasil, é a compreensão profunda da geografia.  “Os profissionais conhecem seu território e todas as famílias. Há comunicação entre os trabalhadores comunitários, enfermeiros e gestores”, apontou.
 

O impacto do modelo comunitário no Reino Unido

“Comecei a me envolver com o programa em 2019, ao conversar com o Matt Harris. Fiquei impressionada com o quanto ele é simples e eficaz. É quase fácil demais, faz tanto sentido que é difícil entender por que algumas pessoas não enxergam seu potencial”, enfatizou Caroline Taylor, cirurgiã no norte da Inglaterra e integrante da Associação Nacional de Saúde Primária.

Segundo Caroline, o modelo de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) é eficaz na redução das desigualdades em saúde, no bem-estar e na abordagem de questões sociais profundas, como a pobreza. “Essas pessoas não confiam em ninguém com poder ou autoridade. Mas os trabalhadores comunitários persistem, quebram barreiras, ganham confiança. E aí acontece a mágica. Isso transforma vidas e reduz a carga de trabalho dos profissionais de saúde ao redor”, enfatizou.
 

Aprendizados, integração e território

 “Começamos com quatro pessoas. Hoje somos muitos. Visitamos os residentes, perguntamos sobre imunizações, exames, cartas médicas. Mas percebemos que os problemas sociais vêm antes da saúde: mofo, vazamentos, desemprego… Eles querem resolver isso antes de ouvir sobre pressão alta ou diabetes”, desabafou Comfort Idowu-Fearon, uma das primeiras trabalhadoras de saúde e bem-estar comunitário em Londres, que atua no sul de Westminster.

De acordo com Comfort, o trabalho no Reino Unido tem uma abordagem personalizada, e um aspecto marcante do projeto britânico é o processo de seleção dos agentes. Diferentemente de modelos centralizados, são os próprios ACS que identificam e escolhem os novos integrantes. A primeira selecionada foi a própria Comfort; a partir dela, outros passaram a ser indicados por meio de entrevistas e triagens conduzidas pelo coletivo. Dessa forma, os agentes reconhecem perfis e habilidades, garantindo que cada novo membro contribua de maneira efetiva nas ações no território.

Para Comfort, outra diferença fundamental está no vínculo com a comunidade. “Aqui no Brasil, os trabalhadores estão há décadas nos territórios. Eles conhecem seus residentes. Trabalham em equipe com médicos, dentistas, ginecologistas. Em Londres, ainda estamos tentando fazer com que todos entendam nosso papel”, explicou.

Ela aponta ainda que, apesar das diferenças culturais, os desafios enfrentados são universais. “Os problemas básicos são os mesmos. Precisamos mudar o que está na mente das pessoas sobre saúde. Quando todos entenderem, haverá uma verdadeira transformação”, finalizou.

CEE-Fiocruz e Imperial College acompanham atividades em UBS de Camaragibe com Matthew Harris e Connie Junghans-Minton do programa de ACS em Londres.

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