Reforma psiquiátrica na América Latina: por que fechar hospitais não é suficiente

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Saúde mental

Reforma psiquiátrica na América Latina: por que fechar hospitais não é suficiente



POR Andréa Vilhena

PUBLICADO 18/12/2025

O fechamento de hospitais psiquiátricos é frequentemente apresentado como um marco decisivo das reformas em saúde mental na América Latina. No entanto, um estudo recente mostra que essa medida, embora necessária, está longe de garantir transformações efetivas no cuidado e na garantia de direitos. O artigo “Más allá del cierre: reforma psiquiátrica, comunidad y derechos en América Latina”, do  pesquisadores Paulo Amarante (Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz) e Andrés Techera (Universidade da República (Udelar), a maior e mais antiga universidade pública do Uruguai) , propõe uma análise crítica dos limites e desafios da desinstitucionalização a partir da comparação entre experiências do Uruguai e do Brasil.

Publicado na Revista Salud Mental y Comunidad, edição 19, neste mês dezembro, o trabalho examina o fechamento do Hospital Psiquiátrico Musto, em Montevidéu, e o processo de transformação da Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. A partir desses dois casos, os autores destacam que a superação do modelo manicomial só se concretiza quando o encerramento de instituições é acompanhado por políticas públicas sustentadas, recursos adequados e participação social ativa.

A análise evidencia que o simples fechamento de hospitais psiquiátricos não assegura, por si só, mudanças nas práticas de cuidado nem a inclusão social das pessoas em sofrimento psíquico. Ao contrário, quando não há redes comunitárias estáveis, marcos normativos coerentes e envolvimento dos diversos atores sociais, o risco é a reprodução de novas formas de exclusão, agora fora dos muros institucionais.

O artigo organiza essa reflexão em torno de temas centrais para o debate contemporâneo em saúde mental, como o cuidado em liberdade, a relação entre comunidade e território, a construção da memória frente aos silenciamentos institucionais, a substituição do manicômio por dispositivos comunitários, a centralidade dos direitos humanos e a sustentabilidade das políticas públicas em contextos de desigualdade social.

Um dos principais achados do estudo é que a transformação real dos sistemas de saúde mental depende do protagonismo de pessoas usuárias, ex-usuárias, familiares, sobreviventes da institucionalização e coletivos sociais. Para os autores, enfrentar o legado do manicômio exige não apenas reformar instituições, mas também transformar práticas de cuidado, condições materiais de vida e imaginários culturais que historicamente sustentaram a exclusão.

Nesse sentido, a reforma psiquiátrica é apresentada como uma plataforma estratégica para ampliar diálogos entre Estado e sociedade, promover o reconhecimento e a restituição de direitos e construir territórios de cuidado mais inclusivos. As conclusões do artigo reforçam que o fechamento e a transformação institucional só alcançam pleno significado quando se traduzem em políticas de saúde mental orientadas pela dignidade, pela autonomia e pela justiça social — um desafio ainda em aberto para as democracias latino-americanas.

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