Pesquisadores e entidades científicas defendem a ciência, a vida e os direitos humanos em debate sobre segurança pública sem barbárie

Pesquisadores e entidades científicas defendem a ciência, a vida e os direitos humanos em debate sobre segurança pública sem barbárie

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O compromisso da ciência com a defesa da vida, dos direitos humanos e de políticas públicas baseadas em evidências foi reafirmado durante o evento A Ciência por uma Segurança Pública sem Barbárie, realizado no auditório Pedro Calmon, no campus da Praia Vermelha da UFRJ, em 1/11/25.

Organizado pela AdUFRJ, SBPC, CEE-Fiocruz e CBPF, o encontro reuniu pesquisadores, docentes e representantes de entidades científicas em resposta ao massacre ocorrido nos complexos do Alemão e da Penha.

Entre as muitas personalidades que contribuíram para o debate estiveram a professora Lígia Bahia (UFRJ), que fez a mediação da mesa; Roberto Medronho, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Ana Tereza Vasconcelos (SBPC); João Paulo, vice-diretor do CBPF; os professores Michel Gherman do departamento de Sociologia da UFRJ e Marcelo Tadeu Baumann Burgos, diretor do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio; a deputada Jandira Feghali; e a ex-ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima. Representando o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz), o coordenador adjunto Alessandro Jatobá destacou a importância do encontro como espaço de reflexão e construção de alternativas à atual política de segurança pública.

Jatobá ressaltou que o momento exige uma atuação coordenada entre as instituições científicas e o poder público, com base em evidências sólidas. “Espero que consigamos colaborar de alguma forma. E eu acho esse fórum aqui de uma importância ímpar, para ver se conseguimos colocar na cabeça das autoridades de segurança pública a importância de desenvolver políticas baseadas em evidências científicas”.

Para Jatobá, o cenário atual é “especialmente estarrecedor, mas não surpreendente”, pois evidencia o distanciamento entre a formulação de políticas públicas e o conhecimento científico. Ele também criticou a desvalorização da ciência e as tentativas de desacreditar pesquisadores. “Eu vejo alguns analistas de segurança pública criticarem a atuação dos cientistas nesse sentido, como se a ciência não fosse capaz de compreender a realidade das comunidades brasileiras”, observou.

O pesquisador lembrou, ainda, que há um vasto acúmulo de evidências sobre as condições de vida e saúde nas comunidades do Rio de Janeiro, produzidas por diferentes instituições de pesquisa. “Qualquer um que entrou em uma instituição científica aqui do Estado conhece o volume impressionante de evidências sobre a realidade dessas comunidades”.

Ao final de sua fala, Jatobá reforçou a necessidade de articulação entre os pesquisadores para combater o negacionismo. “É importante que a gente consiga reunir essas cabeças aqui para discutir esse cenário e combater de forma consistente esse discurso negacionista de determinados analistas sobre o papel da ciência no desenvolvimento de política pública”.

Em sua fala a ex-ministra da Saúde, também pesquisadora do CEE-Fiocruz, Nísia Trindade Lima, destacou o papel das entidades científicas na construção de uma agenda nacional em defesa de uma política de segurança cidadã.
“É para estar junto, para pensar e para também unir vozes nesse momento. Há muito tempo a gente vem discutindo, já foi falado aqui, o tempo que nós enfrentamos uma política de segurança com a qual nós discordamos de uma maneira muito forte”, afirmou.

Para Nísia, o momento atual representa um agravamento da violência institucional e do discurso autoritário. “O que está acontecendo está em um nível muito mais elevado. Não só de letalidade, mas um discurso muito claro de extrema direita”.

A pesquisadora ressaltou que a mobilização deve ultrapassar as fronteiras do estado do Rio de Janeiro e se consolidar como uma ação nacional. “Não é uma questão só do Rio de Janeiro. Tanto que aqui está SBPC, ABC. Então, dar essa dimensão nacional é muito importante”, enfatizou. Segundo ela, o posicionamento das entidades deve ser claro e firme “a favor de uma política de segurança cidadã, contra a barbárie”.

Nísia também chamou atenção para o papel das redes de intelectuais e militantes que atuam nas favelas e periferias, destacando a importância da articulação com esses grupos. “Existem hoje muitos intelectuais com uma militância local, nas favelas, nas periferias... Isso tem que vir para junto também”, defendeu.

Entre as propostas apresentadas, a ex-ministra destacou a necessidade de uma análise aprofundada da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635, que trata das operações policiais, além da adoção de medidas imediatas para conter novas ações violentas. “Acho que, de imediato, alguma forma de contenção a que novas ações desse tipo aconteçam tem que ser um objetivo”, afirmou.

Nísia lembrou, ainda, a importância de acompanhar criticamente as justificativas oficiais das operações, como a recente declaração do secretário de polícia sobre o uso de helicópteros. “E, mais imediato, na coletiva, o secretário de polícia disse que não havia sido usado o helicóptero para dar tiros. Isso me chamou a atenção, porque essa era uma reivindicação muito importante dos movimentos, inclusive na Rede da Maré, onde essa pauta é muito forte, como parte de uma proposta alternativa de segurança. Essa questão dos helicópteros sempre foi central, e o secretário usou esse argumento na sua retórica para apresentar o que chamou de uma política mais ‘cirúrgica’, uma operação com efeitos colaterais pequenos, segundo o discurso dele”.

Encerrando sua fala, ela destacou a necessidade de continuidade e unidade na atuação das entidades científicas e sociais.

O evento consolidou-se como um marco de mobilização científica e social diante da violência de Estado, reforçando o papel da pesquisa e do pensamento crítico na defesa da democracia e dos direitos humanos.   Como encaminhamento, a mesa sugeriu a publicação de um informe que reafirme o compromisso coletivo de enfrentar a barbárie com conhecimento, solidariedade e ação conjunta.