O combate à febre amarela exige uma comunicação ágil e qualificada, capaz de orientar e tranquilizar a população

O combate à febre amarela exige uma comunicação ágil e qualificada, capaz de orientar e tranquilizar a população

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A epidemia de febre amarela que afeta o país vem apontando que a dinâmica informacional marcada pelo protagonismo das redes sociais, impõe um desafio para a saúde pública: lidar com a rápida circulação de informações imprecisas que chegam até a população e que podem dificultar a compreensão das reais dimensões do problema. Para o infectologista Rivaldo Venâncio, pesquisador do CEE-Fiocruz e professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Mato Grosso (Famed/UFMT), o poder público pode reduzir o impacto dessas informações empregando uma comunicação ágil e precisa. “Hoje, boa parte do que circula nessas redes, via whatsapp por exemplo, são produtos muito rápidos, com vídeos e áudios muito curtos. O poder público precisa aprender a dialogar com essa realidade que está aí. Não vamos esclarecer uma informação incorreta divulgada por meio de um áudio de um minuto, respondendo com um vídeo de 40 minutos”, analisa nesta entrevista ao blog do CEE-Fiocruz.

Para Rivaldo, a atuação dos grandes meios de comunicação também não vem favorecendo a compreensão do quadro real da febre amarela no Brasil. “Ao mesmo tempo em que as matérias de praticamente todos os meios de comunicação, em especial as televisões, terminam dizendo que não há motivo para preocupação, dão excessivo destaque a longas filas e a depoimentos de pessoas que dizem não terem encontrado a vacina”, diz o infectologista, considerando haver “um superdimensionamento de uma realidade”, ainda que esta mereça atenção.

Leia a entrevista abaixo.

Em que momento a febre amarela passou a ser considerada uma emergência de saúde pública?

O que vivemos hoje é a continuidade da experiência que tivemos ano passado. De novembro de 2016 até janeiro de 2017, houve um aumento repentino do número de casos tanto em seres humanos como em macacos no interior de Minas Gerais. Rapidamente, passaram a ser registrados alguns casos na Bahia, no Espírito Santo e, já na primeira quinzena de janeiro de 2017, começaram a surgir os casos no Rio de Janeiro. Pelas características do mosquito, trata-se de uma doença que se desenvolve no período sazonal em que há uma maior quantidade de chuva e temperaturas elevadas, que potencializam a procriação do vetor.

O ressurgimento da epidemia de febre amarela este ano se deveu a uma ação tardia ou ineficiente do governo no ano passado?

É difícil dizer se o início da vacinação foi tardio ou não. Na verdade, talvez o reconhecimento da realidade tenha sido tardio. Contudo, a partir do momento em que a gravidade foi identificada, a ação foi imediata. No caso específico do Rio de Janeiro, houve no ano passado uma campanha que, inicialmente, atraiu longas filas de pessoas buscando a vacinação. No entanto, em determinado momento, infelizmente essa campanha de estímulo à vacinação enfraqueceu e a população, em boa medida, deixou de procurá-la. Se tivéssemos mantido normalmente o processo de vacinação no Rio de Janeiro, por exemplo, a atual correria não estaria acontecendo. Infelizmente, a população também se movimenta por espasmos provocados pela grande mídia.

Em relação à mídia, quais os desafios para lidar com um problema de saúde pública como a febre amarela em uma dinâmica informacional marcada pela produção, circulação e proliferação de informações de todos os lados, muitas vezes conflitantes, de terceiros, ou até mesmo por fake news?

Essa realidade, expressa nas facilidades de acesso por parte da população às diversas mídias, não tem volta. Na ausência de informação qualificada, em velocidade e quantidade suficiente para a população como um todo, abre-se terreno fértil para que surjam essas informações divulgadas por terceiros, que ganham dimensão gigantesca e, por vezes, são completamente distorcidas e não representam a verdade. No entanto, acredito que pelo menos parte desse terreno fértil é proporcionado pelo vácuo deixado pelo poder público.

Há uma espécie de ‘histeria coletiva’ em torno da febre amarela?

Infelizmente, sim. Há um superdimensionamento de uma realidade, que não deixa de ser preocupante. O problema é que atualmente a febre amarela é, no imaginário da população, de longe o principal problema de saúde pública do Brasil. Enquanto isso, continuamos registrando cerca de 150 mil mortes por causas violentas todos os anos no Brasil. Esse sim é um gravíssimo problema de saúde pública. O atraso de um ou dois dias na vacinação não deveria causar esse desespero em parte significativa da população. Isso parece se relacionar à paradoxal atuação dos meios de comunicação. Ao mesmo tempo em que as matérias de praticamente todos os meios de comunicação, em especial as televisões, encerram dizendo que não há motivo para preocupação, dão excessivo destaque a longas filas e a depoimentos de pessoas dizendo não encontraram a vacina.

Como o poder público deve agir diante desse cenário?

A comunicação com o público deve ser potencializada da forma mais veloz, palatável e objetiva possível. Muitas vezes, são veiculadas informações muito qualificadas, mas com um conteúdo longo que faz com que as pessoas não acessem. Hoje, boa parte do que circula nessas redes, via whatsapp por exemplo, são produtos muito rápidos, com vídeos e áudios muito curtos. O poder público precisa aprender a dialogar com essa realidade que está aí. Não vamos esclarecer uma informação incorreta divulgada, por exemplo, por meio de um áudio de um minuto, respondendo com um vídeo de 40 minutos. Hoje em dia, as pessoas não param para ouvir uma explicação muito longa e minuciosa. Para começar a reduzir o impacto dessas informações deturpadas, teríamos que divulgar e difundir informações tão velozes e de fácil apreensão quanto essas equivocadas, mas precisas. (Do CEE-Fiocruz)

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