Élida Graziane: ‘Há uma estratégia deliberada de atraso na execução orçamentária da saúde'

Élida Graziane: ‘Há uma estratégia deliberada de atraso na execução orçamentária da saúde'

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Foto: Sergio Velho Junior (Fiocruz/Brasília)

Em contundente exposição, na mesa Efeito do congelamento constitucional dos gastos públicos, durante o seminário Impactos Sociais das políticas de austeridade, em 3/12/2018, em Brasília, a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo Élida Graziane Pinto afirmou que “se o SUS funciona mal é porque não exigimos que as despesas públicas e financeiras sejam executadas”.

De acordo com a procuradora, sabe-se se uma política pública é ou não prioritária pelo tempo de sua execução orçamentária. “São duas variáveis igualmente sérias – além do tempo, o volume da execução. Se o dinheiro da saúde chegasse com a mesma integridade, tempestividade, higidez do que o duodécimo que chega ao Legislativo, ao Judiciário, não estaríamos aqui [discutindo]. A execução orçamentária da saúde deveria ter a mesma consistência tempestiva, não falseada. Há uma estratégia deliberada de atraso, de postergação”, afirmou.

Ela lembrou que o direito fundamental à saúde previsto no artigo 196 vem amparado por garantias reunidas no artigo 198. “Em Direito, chamamos isso de remédios constitucionais”, disse. “O piso de custeio, o piso de financiamento e captação federativa que amarra o SUS na federação estão para o direito à saúde como habeas corpus está para a liberdade de ir e vir”, comparou, lembrando que o piso e o arranjo federativo equilibrado do SUS são cláusulas pétreas da Constituição.

Acesse o podcast com Élida Graziane Pinto.

Elida defendeu que se aprimore o financiamento da saúde para que seja “aderente ao planejamento”. Para ela, a saúde no Brasil trava uma guerra fiscal de despesas e é alvo de uma fragilidade jurídica que é deliberada e, portanto, não decorre apenas da Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos por vinte anos. “Tenho chamado isso de estado de coisas inconstitucionais do SUS”, disse. “Precisamos mostrar que a origem de um mal estar do SUS é esse desarranjo na federação, esse financiamento regressivo por parte da União”.

Ela comentou sobre a judicialização da saúde, avaliando que se está havendo uma explosão de demandas individuais judiciais é porque algo não funciona como deveria, e a exceção da demanda judicial vai se tornando regra. “Não podemos terceirizar a concepção do SUS para uma judicialização de casos individuais. É preciso verificar onde a política pública está falhando na origem de suas garantias constitucionais”.

A procuradora alertou para o uso que vem sendo feito dos ADCT [Ato das Disposições Constitucionais Transitórias], como forma de “empurrar o que não se consegue implementar” na Constituição, e os riscos que traz. “Via ADCT, desconstitucionaliza-se, via ADCT, desconstrói-se a vinculação da Seguridade Social”, destacou. Élida lembrou ainda que a única hipótese de existência de um tributo no ordenamento brasileiro é a definição de sua destinação. “Se não, a contribuição social seria imposto”, explicou.

Quem diz que a Constituição não cabe no orçamento, esquece que o orçamento só é legítimo à luz da Constituição. Falar em ajuste fiscal sem rever renúncias de receitas, sem conter o inchaço da folha, sem conter o fisiologismo fiscal, é um engodo” (Élida Graziane Pinto)

Ela apontou também uma perda da relação de proporcionalidade entre a receita e despesa no país. “O Estado arrecada para quê? Tem autorização constitucional para aplicar onde e para assegurar quais direitos?”, indagou, destacando como um balizador o binômio possibilidade-necessidade. “O SUS tem uma necessidade imensa. E temos nível de aplicação declaradamente subfinanciado. Quem diz que a constituição não cabe no orçamento, esquece que o orçamento só é legítimo à luz da Constituição. Falar em ajuste fiscal sem rever renúncias de receitas, sem conter o inchaço da folha, sem conter o fisiologismo fiscal, é um engodo”.

Elida apresentou um gráfico produzido pelos economistas Pedro Rossi e Esther Duek, no qual está indicado que com a EC 95, o percentual da receita corrente líquida para a saúde cai de 15%, em 2017, para 9%, em 2036.

Acesse aqui a apresentação de Élida Graziane.

“Dizer que isso é pouca redução é um descuido com a realidade factual dos números. Será que não é retrocesso suficiente para um processo constitucional?”, indagou, propondo como uma estratégia “constranger o Judiciário” e “criar um outro fluxo de judicialização”. E convocou: “Saiamos do nosso quadrado acadêmico”. E alertou: “Se ocorrer uma desvinculação total de receitas, isso significa que não teremos mais Constituição de 1988. Se não houver mais proteção aos direitos sociais, se não houver mais o capítulo da Finanças Públicas na Constituição, se não tivermos mais o arcabouço que atrela a relação de proporcionalidade entre receita e despesa, a Constituição brasileira vai ser só polícia e justiça. E o gasto social, pior do que o da África subsaariana”.

Leia mais sobre o seminário Impactos sociais das políticas de austeridade, nos links abaixo.

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