Patentes: governo brasileiro propõe crime de lesa-pátria – por Jorge Bermudez

Patentes: governo brasileiro propõe crime de lesa-pátria – por Jorge Bermudez

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Cadeado prateado aberto sobre fundo cinza

 

Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída,
Sem perceber que era subtraída,
Em tenebrosas transações….
(Chico Buarque, Vai Passar)

 

Nas tensões da Copa do Mundo, o furor entreguista do governo brasileiro!

Enquanto o Brasil, seus torcedores e suas ruas vestiam-se de verde-amarelo, as cores da Seleção Brasileira, a sanha do governo se fez sentir com volúpia, e na calada da noite.

Para além de entregar o Pré-Sal; cassar direitos trabalhistas e afrontar com a terceirização; reduzir o programa  Ciência sem Fronteiras; extinguir de forma sumária o programa Farmácia Popular do Brasil; sucumbir à  bancada ruralista e entregar o uso e fiscalização de agrotóxicos; editar a Medida Provisória para revisar o Marco Legal do Saneamento; entregar a soberania e a democracia; e encaminhar a EC 95 que aprova o congelamento do teto de gastos públicos, uma nova aberração vem sendo gestada nos meandros da elite governista, inviabilizando nosso país, com uma política reducionista que penaliza a população brasileira, em especial as populações negligenciadas e vulneráveis.

Corre risco o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), vinculado ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, mais uma estrutura do setor público que sofre tentativas de desmonte. O fortalecimento da instituição, sua autonomia gerencial e administrativo-financeira, bem como a contratação de pessoal para reforçar o quadro de examinadores de patentes, vem sendo uma reivindicação permanente de seus servidores. O INPI tem déficit crônico de servidores para cumprir seu papel estratégico  típico de Estado. É fato conhecido e criticado o atraso na análise de patentes, ou backlog. Esse atraso somente será revertido com o fortalecimento institucional do INPI e com o aumento do quadro de examinadores de patentes.

Corre risco o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), vinculado ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, mais uma estrutura do setor público que sofre tentativas de desmonte

Em 1999, quando o governo propôs contratação temporária por 12 meses no instituto, parecer da Medida Provisória 2006/1999 estabelecera claramente que “o exercício das atividades desenvolvidas pelo INPI só pode e deve ser permitido a técnicos da carreira pertencentes ao quadro da autarquia”, tal o grau de conhecimento e de especialização necessário para o desempenho dessas atividades.

 

Entretanto, é assustadora a falta de pudor com que o governo vem tratando a propriedade industrial e o papel do INPI. Sob a alegação de que os atrasos, ou backlog, de cerca de dez anos na análise das solicitações de patentes, prejudicam o inventor, o desenvolvimento científico e a inovação, medidas objetivando agilizar a análise dos pedidos de patentes foram incluídas no Relatório da Comissão Mista de Desburocratização do Congresso Nacional, incluindo o denominado Deferimento Sumário, ou seja a aprovação sumária dos pedidos de patentes pendentes, sem exame.

Sob a alegação de que os atrasos na análise das solicitações de patentes prejudicam o inventor, o desenvolvimento científico e a inovação, propôs-se a aprovação sumária dos pedidos de patentes pendentes, sem exame

Já nos pronunciamos a esse respeito [ver aqui] ), lembrando da inconstitucionalidade, ilegalidade e violação de tratados internacionais que essa proposta acarreta. Toda uma plêiade de instituições manifestou-se contrariamente a ela.

É, portanto, com preocupação que verificamos, ao acompanhar o Protocolo Integrado[1] do Governo Federal, uma movimentação acelerada entre Ministério de Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Casa Civil e Secretaria Executiva do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, incluindo a Minuta  de Decreto “que trata do procedimento simplificado de deferimento de pedidos de patentes”. A movimentação, que vem de 2017, é agora exacerbada, aproveitando-se a desatenção característica do clima de euforia provocado pela Copa do Mundo.

O deferimento sumário, ou deferimento automático nas solicitações de patentes pendentes, sem exame, configura nitidamente um crime de lesa-pátria. Causa espécie, portanto, sua inclusão como uma das soluções para tratamento do passivo de patentes no INPI por um de seus diretores [ver aqui]. Esse crime fica muito bem constatado no campo da Saúde. Considerando que apenas 10% das patentes solicitadas são aprovadas em primeira instância, o procedimento geraria monopólios equivocados em 90% dos casos de patentes sem mérito e colocaria em risco a economia nacional, com aumento de preços desses produtos, sem competição no mercado, tornando-os inacessíveis a enormes contingentes da população e onerando o setor público.

Considerando, ainda, que 80% das solicitações de patentes são de empresas transnacionais, torna-se também um atentado à nossa soberania, com remessas indevidas de royalties para o exterior. Por inibir a competição de mercado de maneira equivocada e injustificada, representa um atentado também à dinâmica de mercado e concorrência, como ao direito econômico e aos direitos de cidadania.

Sabemos que pouco importam aos representantes do atual governo os direitos humanos, a economia do país e nossa soberania. O tempo haverá de julgar. Apenas não sabemos o quanto poderá ser corrigido ou quanto dessa destruição será irreversível.

* Médico, doutor em Saúde Pública, pesquisador da Ensp/Fiocruz, membro do Painel de Alto Nível em Acesso a Medicamentos do Secretário-Geral das Nações Unidas

 

[1] Data: 04/07/2018 - Unidade: Coordenação Técnica/ASTEC-SE/SE/Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão -  Operação: Expedido Ofício nº 54652/2018-MP em 04/07/2018, Aviso n° 166/2017-SEI-GM ? Minuta de Decreto que trata do procedimento simplificado de deferimento de pedidos de patentes, à Secretária Executiva do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. https://protocolointegrado.gov.br/documento/detalhes_documento.jsf?protocolo=52005100722201773

 

O conteúdo desta publicação é de exclusiva responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz.