Jorge Bermudez: população ficará sem medicamentos e assistência farmacêutica com fechamento das farmácias populares
A decisão do Governo Federal de fechar as 367 unidades próprias da rede Farmácia Popular do Brasil, parte do Programa de Atenção Básica do Sistema Único de Saúde, e repassar os R$ 100 milhões de seu orçamento diretamente para os municípios comprar medicamentos foi duramente criticada pelo sanitarista Jorge Bermudez, pesquisador da Ensp/Fiocruz e integrante do Painel de Alto Nível em Acesso a Medicamentos das Nações Unidas. Para Bermudez, a medida é mais um golpe contra o SUS e representa enorme retrocesso, sobrecarregarregando ainda mais o sistema, com internações e outros atendimentos que poderiam ser evitados se o amplo acesso a medicamentos se mantivesse garantido. Esse acesso se dá pelas farmácias populares, não em outras unidades, como os postos de saúde. "Estão desmontando o SUS", disse, perguntando qual o interesse de um governo que estabelece um congelamento de vinte anos nos gastos públicos. "O que o governo está fazendo agora é sucatear os serviços públicos, não repassando recursos adequadamente, buscando gerar economia. O ministro (da Saúde, Ricardo Barros) diz que o SUS não cabe no orçamento do Ministério da Saúde. Nunca houve um ministro, em nenhum governo, que não defendesse o SUS. É a primeira vez que vemos um criticando e desmontando o sistema", criticou Bermudez.
O pesquisador rechaça o argumento de que o fechamento das unidades próprias da Farmácia Popular vá permitir compra maior de medicamentos pelo SUS, que seria liberado das despesas de manutenção da rede. Ele lembrou que o programa, criado em 2004 com o objetivo de promover assistência farmacêutica para a população, buscava, assim, garantir condições de tratamento domiciliar, o que exige instalações especiais para aplicação de remédios e pessoal qualificado para orientar o uso dos medicamentos – gastos apontados como desnecessários pelo ministro.
Apenas o convênio do governo com farmácias privadas, o Aqui tem Farmácia Popular, foi preservado pelo governo. Esse convênio disponibiliza, com descontos de 90%, uma lista de 42 medicamentos para o consumidor. Já a rede Farmácia Popular, coordenada pela Fiocruz, garantia para o cidadão, com gratuidade ou descontos de 90%, 112 medicamentos e itens como fraldas geriátricas e preservativos masculinos.Além disso, atendia a demanda de pacientes de doenças crônicas, como diabetes, pressão alta e asma. "A rede própria, que, em alguns municípios, é a única alternativa que a população tem, está sendo desmontada. Isso onera mais o sistema de saúde, acaba gerando internações desnecessárias, aumentado os gastos, além de prejudicar quem nela vinha sendo atendido", destacou Bermudez, lembrando que em alguns municípios a farmácia mais próxima está a quilômetros de distância.
O pesquisador criticou, ainda, a forma autoritária com que o ministro decidiu acabar com o Farmácia Popular, sem ouvir o Conselho Nacional de Saúde, consultado na época da criação do programa e da elaboração da lista de itens a serem disponibilizados. “Para ter a adesão dos prefeitos, ele anunciou que iria repassar a verba resultante do fechamento da rede aos municípios". Bermudez lembrou que o gasto com o programa era mínimo diante do orçamento do SUS, e gerava enorme ganho para a população. Na prática, segundo ele, o repasse das verbas do Farmácia Popular, que totalizava R$ 100 milhões, diretamente aos municípios representa o fim do programa, já que esse total dividido pelos 5.570 municípios brasileiros não garantirá nem assistência farmacêutica, nem compra de medicamentos na ponta do SUS, fazendo com que a população volte a ficar desassistida.
A preocupação foi compartilhada pelos especialistas ouvidos, semana passada, em audiência pública realizada pelas comissões de Legislação Participativa, de Seguridade Social e Família e de Trabalho da Câmara para discutir os impactos do fechamento da rede própria do Programa Farmácia Popular. Para o representante do Conselho Nacional de Saúde, Moyses Longuinho, a economia que o ministério alega estar fazendo vai na verdade gerar gastos ainda maiores porque muitos pacientes que faziam controle de hipertensão e diabetes com os recursos da farmácia popular não terão mais acesso aos medicamentos e voltarão a procurar os hospitais para internação. "Vai matar gente! Números não são números, números são pessoas. É cidadão e cidadã tendo direitos constitucionais retirados", criticou Longuinho.