Agenda 2030: onde estamos hoje?

Agenda 2030: onde estamos hoje?

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Publicado originalmente na Revista Radis, nº 177

O debate sobre as inter-relações entre desenvolvimento e saúde existe, a rigor, desde que pensadores e formuladores de políticas econômicas e sociais e os médicos passaram a se perguntar sobre os efeitos das más condições de vida da população dos trabalhadores e dos pobres sobre sua saúde e a de suas famílias. Transcorridos mais de 170 anos, o debate continua, se aprofunda e se torna prática política institucional pelas mãos das Nações Unidas, que tiveram que responder aos pedidos de providências dos países pobres para a crítica situação econômico-social em que se encontravam a maioria dos países e populações da terra nos anos 80, fruto amargo da globalização neoliberal no mundo.
 
A resposta (tímida) da ONU foi estimular suas agências, programas e fundos (como a OMS, OIT, FAO, UNICEF, PNUD, entre outras) a realizarem conferências mundiais no transcorrer da década de 90 em torno dos objetos de reflexão e ação de cada uma delas, para preparar o mundo para o século 21; as conferências geraram informes e recomendações que, de alguma forma, foram aproveitados pelos países e, ao mesmo tempo, ajudaram a configurar a Declaração do Milênio, a Agenda do Milênio 2015 e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), resultantes da Cúpula do Milênio, realizada no ano 2000, por ocasião da 55ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque.
 
15 anos depois, a perspectiva mundial quanto à Agenda do Milênio foi de relativa frustração, pois uma grande parte dos ODM não foram alcançados, particularmente nos países mais pobres. Em 2012, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada 20 anos depois da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Eco 92), os Chefes de Estado e governo (ou altos representantes) de todos os Estados-membros da ONU lançaram como compromisso  o documento O Futuro que Queremos, no qual convocam os países e a sociedade global para a construção da Agenda do Desenvolvimento 2030 e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
 
Entre 2012 e 2015, um processo considerado por muitos como um dos mais participativos realizados no âmbito das Nações Unidas chegou à proposta de uma Agenda até 2030; o consenso quanto a 17 ODS, entre os quais um que se refere à Saúde (ODS 3); e uma agenda sobre o financiamento do desenvolvimento — a Agenda de Ação de Adis Abeba. 
 

Como estão as coisas hoje?

Em que ponto nos encontramos, 18 meses após a aprovação da Resolução A70/1 da 70ª Assembleia Geral das Nações Unidas, intitulada “Transformando nosso Mundo: Agenda do Desenvolvimento para 2030 e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”? Uma série de iniciativas globais positivas vêm sendo tomadas em diversas frentes, seja nas diferentes agências das Nações Unidas, seja em movimentos da sociedade civil, seja nos planos regionais ou nacionais, em diversos países. Entre elas, podemos citar: na agenda do clima, o Acordo de Paris (dezembro de 2015); a Estratégia Global para a Saúde das Mulheres, das Crianças e dos Adolescentes (2016-2030); na questão das moradias e seus entornos, a Habitat III (Quito, 2016), e muitas outras iniciativas complementares, em diversas áreas do desenvolvimento sustentável.
 
A Fiocruz, por meio do seu ex-presidente Paulo Gadelha, integra o 10 Members Group, nomeado pelo Secretário das Nações Unidas, para tratar da contribuição da ciência, tecnologia e inovação ao aperfeiçoamento e implementação da Agenda 2030 e dos ODS, e prepara um evento de alto nível para oferecer um conjunto de recomendações sobre C&T no processo do desenvolvimento sustentável.
 
Etapa também importante em execução, neste momento, é a definição dos indicadores para medir a execução das metas ODS. A Comissão de Estatística das Nações Unidas (UNStats), liderando um grupo inter-agencial (da ONU) e de especialistas (IAEG/SDG), definiu a lista de 232 indicadores para diversas metas dos ODS, visando ao monitoramento do progresso das mesmas, entre as quais 27 indicadores para a saúde.
 
Ao examiná-los, consideramos que são indicadores tradicionais, supostamente acessíveis na maioria dos países, como índices de mortalidade e morbidade. Lamentável que indicadores de saúde pública, capazes de captar o componente da vigilância sanitária e regulação, estejam ausentes, como a sugerir que esta dimensão não está efetivamente considerada no modelo de sistemas de saúde previstos no ODS Saúde. Não parece casual, porque é exatamente nesta função da saúde pública que se observa o embate entre os interesses privados da indústria e comércio com impacto potencial sobre a saúde e os interesses da população, teoricamente defendidos por um Estado democrático regulador.
 
O próximo passo importante para a Agenda 2030 e os ODS, na esfera global, será o Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável, que se realiza de 10 a 19 de julho de 2017, na sede da ONU, em Nova Iorque, no âmbito da reunião anual do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) das Nações Unidas. O tema do evento será “erradicar a pobreza e promover a prosperidade num mundo em mudança”. O conjunto de metas a ser analisado em profundidade incluirá, além do Objetivo 17 — que será considerado todos os anos — também os objetivos 1 (pobreza), 2 (fome, segurança alimentar, nutrição e agricultura sustentável), 3 (vida saudável e bem-estar), 5 (gênero), 9 (infraestrutura, industrialização e inovação) e 14 (oceanos, mares e recursos marinhos). Os debates poderão ser acompanhados via internet.
 

Ameaças

Diversos eventos mundiais negativos trazem perspectivas sombrias para o futuro da Agenda 2030 e dos ODS. O meio de implementação fundamental da Agenda 2030 está contido no ODS 17, o qual reitera a “aliança para o desenvolvimento”, já presente no ODM 8, significando o financiamento solidário do desenvolvimento dos países mais pobres pelos países mais ricos com 0,75% do seu PIB de Ajuda Oficial para o Desenvolvimento (AOD), mas também com transferências tecnológicas em todas as áreas (agricultura, saúde, proteção ambiental etc.), fundamentais para a sustentabilidade global do desenvolvimento e também em cada país. A profunda crise econômica que explodiu entre 2007 e 2008 no circuito central do capitalismo global (Estados Unidos e países da União Europeia) tem sido invocada como a razão central para justificar a redução na AOD por parte dos países mais ricos.
 
De outro lado, a alçada ao poder, nos Estados Unidos, do ultraconservador Donald Trump, com suas agressivas políticas xenofóbicas e armamentistas, além do desprezo pela proteção ambiental em favor do crescimento econômico, mesmo que às custas da poluição total e do esgotamento dos recursos naturais do planeta, é um outro elemento fatal do quadro de desalento quanto às reais possibilidades do desenvolvimento sustentável que vem, pouco a pouco, tomando conta do planeta. A ameaça de Trump de retirar ou reduzir os repasses financeiros dos Estados Unidos à ONU, em geral e a cada uma de suas agências, a quem tocaria coordenar os esforços em prol do desenvolvimento sustentável e da concretização da Agenda 2030 e dos ODS, completa os ventos que vem do Norte. Nisto, o governo americano pode ser seguido pela onda conservadora que ameaça tomar conta da Europa, casos da Fra