Superar a fragmentação e construir novas alianças: desafios da esquerda
“Reorganizar a esquerda, significa repensar como a esquerda vai atuar em um cenário de alta fragmentação interna, e não é fácil projetar o futuro, quando alianças são refeitas dentro da estrutura interna”. A análise foi feita pelo pesquisador José Maurício Domingues, do Iesp-Uerj e do CEE-Fiocruz, durante o debate em torno de seu livro, Esquerda: crise e futuro, realizado em 1/6/2017, integrando a série Futuros do Brasil. A apresentação de José Maurício recebeu comentários da professora Ingrid Sarti, do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional (Pepi-UFRJ), também na mesa.
“O livro trata no primeiro capítulo do golpe parlamentar de 2014, que é muito diferente do golpe de 64, pois foi feito por dentro da institucionalidade, a partir dos isolamentos das forças políticas que estavam no governo”, destaca José Maurício, que analisa em sua exposição, ainda, a atuação do Judiciário e do Ministério Público nesse processo. “O sistema político se autodestruiu e, nesse momento como órgão de controle da Constituição de 1988, o Ministério Público e uma parte do Judiciário vieram para linha de frente, como no 18 de Brumário, quando o sistema político entra em colapso e outras forças aparecem e fazem política”, diz. “O Judiciário não tem o projeto de tomar o poder, ele tem o projeto de moralizar a política”.
O sistema político se autodestruiu e, nesse momento como órgão de controle da Constituição de 1988, o Ministério Público e uma parte do Judiciário vieram para linha de frente, como no 18 de Brumário (José Maurício Domingues)
O futuro do Partido dos Trabalhadores, em foco no livro, também foi abordado pelo autor. “O projeto hegemônico do PT fracassou”, pontua. “A forma como o PT fez política nos últimos anos levou o partido a uma crise que mais que evidente”, observa, tratando ainda, das características do social liberalismo contemporâneo, que “mantém os seus pilares fundamentais da relação do estado com a economia, mas introduz políticas sociais, como a saúde, focalizadas, buscando-se cobertura ampla, mas não universal, fundamental ao seu projeto de manutenção de poder global”.
Como veio destacando em seus escritos e apresentações [ver aqui, aqui e aqui], José Maurício tratou do novo ciclo que se abre no país, para o qual é necessário buscar novas alianças, contemplar o olhar da juventude, que vê “uma política diferente” e construir o futuro. “Ou vamos voltar para o colo do PMDB”.
Para a professora Ingrid Sarti, convidada a analisar as questões levantadas no livro, a discussão fundamental diz respeito ao diagnóstico da crise. “Trata-se de uma crise política. Não é de hoje que falamos de um mal estar dos partidos, em um mundo em que o público é cada vez mais privatizado e que as instâncias mediadoras sucumbem diante do avanço das tecnologias de comunicação, que, por sua vez, estão submetidas aos ditames dos monopólios midiáticos”, explica Ingrid, que diverge de José Maurício em relação às causas da crise e questiona a seletividade do atual processo de combate à corrupção. “Se a corrupção é um processo sistêmico, por que agora? Porque com o PT? Ninguém acredita que isso começou com o PT. Por que não esperaram mais dois anos [até as eleições em 2018]?”, questiona Ingrid Sarti, destacando que a atuação do Judiciário não favoreceu o sistema político em uma busca pela verdade. ”Não foi a ética que produziu o golpe”.
Se a corrupção é um processo sistêmico, por que agora? Porque com o PT? Ninguém acredita que isso começou com o PT. Por que não esperaram mais dois anos [até as eleições em 2018] (Ingrid Sarti)
Uma das “falhas” do PT foi, segundo Ingrid Sarti, a não superação do monopólio midiático da Rede Globo. “Caracterizo como falha porque, sem dúvida, isso não deixou de ocorrer por esquecimento nem por falta de competência”, explica. “Não existe a possibilidade de termos um aprofundamento da democracia sem superarmos o monopólio da Rede Globo”, afirma.
Contudo, para a professora, a queda do PT deve-se mais aos acertos e ao seu potencial emancipatório, que o partido traz desde sua origem, do que aos erros. “Naquele período, surgiram os primeiros frutos, mesmo que muito insipientes, do efetivo combate à pobreza e de um desenvolvimento ancorado no desenvolvimento social”, afirma.
Entre os acertos, estaria o investimento na política externa brasileira, que “marcou o projeto de desenvolvimento social com o selo da autonomia”, como observa Ingrid, apontando “o protagonismo da política internacional durante os governos Lula e Dilma, como forma ativa e altiva de estar no sistema global escolhendo seus próprios parceiros e sem se submeter à potência hegemônica, foi um imenso desafio às regras do jogo internacional”.
Segundo a professora, foi o medo do presente e, por conseguinte, do futuro que fomentou o golpe. “Nos governos do PT foi possível lançar um projeto que punha em xeque justamente a permanência do sempre mesmo bloco no poder”, considera. “A inédita prioridade do desenvolvimento social, cultural e político da América do Sul, lançou as bases de um projeto nacional solidário que, no Brasil, o golpe interrompe”.
Para Ingrid Sarti, o caminho para uma recuperação da esquerda está atrelado à superação da fragmentação social. “Precisamos buscar construir uma solidariedade complexa que combine políticas universais e políticas focais, que funcionem juntas junto a um estado democrático. E claro, fortalecer o debate dentro e fora da universidade”. (Daiane Batista e Luiza Medeiros/CEE-Fiocruz)