Ecos do Abrascão – Marcio Pochmann: ‘Temos que construir uma nova maioria’
O economista e professor da Unicamp Marcio Pochmann não faz coro com os que veem com pessimismo o momento que vive o país, bem como o futuro que se anuncia. Vivemos sobretudo, considera ele, uma crise de projetos. Não temos, na história recente, paralelos para este momento, e, mesmo buscando-se alguma sinalização em 1930, 1954 e 1964, vai se observar que esses foram momentos “de visão ideológica clara em relação a projetos para o Brasil”, o que não é o caso, hoje. Assim, Pochmann propõe que se construa “uma nova maioria”e que se trace um programa de transição para a sociedade brasileira, baseado em dois eixos: uma economia a serviço da qualidade de vida e uma “transição ecológica do sistema produtivo”, que tome a economia como um meio e não um fim.
A seguir, trechos de sua fala na mesa Desenvolvimento, democracia e saúde, nesta quinta (30/7), no Abrascão e ao blog do CEE.
“Gostaria de pontuar tarefas para os progressistas, para os amantes do amanhã, que não estão presos ao presente e à mediocridade à qual estamos submetidos. A primeira tarefa é a construção, com muita humildade, de uma nova maioria, sem arrogância, sem preconceitos, fugindo das pequenas especializações, compreendendo o mundo no qual estamos vivendo, sem considerar, por exemplo, que os jovens estão subsumidos ao individualismo.
Temos que nos associar aos que acreditam que é possível uma sociedade diferente da que temos hoje. Uma nova maioria política para construir de fato uma convergência transformadora. Mas essa maioria política demandaria um programa de transição, um projeto.
Proponho construir um programa de transição desta sociedade, que se assente em dois eixos estruturantes. O primeiro, o eixo da qualidade de vida, em uma sociedade hoje depressiva, sem sentido, abrindo-se a possibilidade de se ter um novo ciclo de investimento, reorganizando nossas cidades. Como assegurar uma economia a serviço de quem vai viver até cem anos de idade, uma economia que passe a ser o meio e não o fim? Isso pressupõe também, como segundo eixo, uma transição ecológica do sistema produtivo, que é antiecológico. É preciso, para isso, repensar o papel do Estado, que não é, hoje, contemporâneo dos desafios do século 21. Precisamos pensar em uma reforma tributária ecológica, com tributação brutal sobre o sistema produtivo que degrada o meio ambiente.
Isso se consegue a partir da existência de uma maioria política. Há quem veja que é possível avançar, mas isso não se viabiliza por um constrangimento das forças conservadoras, da incapacidade de a esquerda se reorganizar. As condições para a maioria política estão dadas.
É preciso coragem para colocar novos temas no debate, pressupõe uma mudança ética, de concepção de vida, transformando-se a economia num meio para um fim superior. Não tenho dúvida de que uma única coisa nos impede de avançar nesse sentido: o medo de ousar fazer diferente, o medo de deixar de ser governados pelos que já morreram. Um evento com essas características [do Abrascão] nos ajuda a afastar o medo e avançar rapidamente.
Acredito que estamos caminhando para um ponto ótimo da crise. As forças que estão no entorno da presidenta Dilma levarão a uma repactuação com este governo, tal como fez Juscelino Kubitschek, que assume com pouco mais de 30% de apoio do Congresso e vai construindo uma agenda fugindo da institucionalidade, das maiorias necessárias do Congresso, dos meios tradicionais, para construir o projeto de 50 anos em cinco. Isso exigiu capacidade de liderança, o que ele fez muito bem, e, em tempo curto, deu salto enorme para um governo que não tinha possibilidades. A presidenta Dilma de alguma forma, será pressionada a repactuar esse governo, diante de um quadro em que não tem maioria com capacidade de liderar no Legislativo, que é um dos mais conservadores que tivemos.
Somos uma sociedade urbana, em que 86% dos brasileiros vivem em cidades, e elegemos no ano passado a maior bancada de ruralistas. Olhando o perfil dos nossos congressistas E quase dois terços de nossos congressistas são empresários. Então, dificilmente as demandas humanas, as demandas da classe trabalhadora serão atendidas por esse Congresso. Esperamos que a presidenta Dilma faça essa repactuação.