O SUS pensado e o SUS vivido: resistência à agenda de austeridade e persistência nos marcos constitucionais

O SUS pensado e o SUS vivido: resistência à agenda de austeridade e persistência nos marcos constitucionais

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Stephan Sperling*

UNIVERSALIDADE | coragem política para não deixar ninguém desassistido 

“Em nosso mundo progressivamente globalizado, o tecido da seguridade em saúde repousa sobre comunidades resilientes (...), formadas por sujeitos que gozam seus direitos fundamentais: viver dignamente, livres de medo e livres para exercer seus desejos. A Universalidade é pedra angular, para tanto, e para o direito à saúde em si, devendo contar, em seu coração, com proteção contra as adversidades financeiras. Isto porque Universalidade deve ser mais que expediente técnico; antes é, e deverá ser, consolidação de direitos e redistribuição de oportunidades. Assim sendo, trata-se de um elemento eminentemente político – trata-se de abordar as estruturas de poder e desbaratar o desempoderamento, a marginalização e a exclusão”. Assim Michel Sidibé, Diretor Executivo do The Joint United Nations Programme on HIV/AIDS - UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS), registra sua crítica à desregulamentação dos Sistemas Nacionais de Saúde, diante dos desafios impostos pelo milênio ao cuidado dos povos, exigindo que os Estados tenham “coragem política para não permitir que ninguém permaneça desassistido”.

Períodos de contração econômica, como aos que a humanidade já assistiu anteriormente, sempre provocam, no seio das conquistas democráticas e sociais, uma tentativa de revisão e desestabilização de direitos por parte do capital em crise. O registro mais fiel deste cenário é a fala do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmando que a Constituição Cidadã não cabe no orçamento da União. Os impactos desta agenda devem ser, igualmente, denunciados.

ASFIXIA FINANCEIRA | experiências dos Sistemas de Saúde frente às políticas de austeridade

O periódico científico britânico “The Lancet”, em seus fascículos destinados à Saúde Pública Global, publicou no dezembro pregresso análise de uma série histórica interrompida produzida por dois grandes nomes da comunidade científica: professor Ioannis Laliotis, economista com expressivo destaque na economia da saúde e colaborador da Universidade de Surrey – Reino Unido, e professor John Ioannidis, colaborador do Curso de Medicina e de Pesquisa em Políticas de Saúde da Faculdade de Medicina de Standford e colaborador para o Curso de Estatística da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da mesma Universidade. Realizada nos intervalos de janeiro de 2001 a agosto de 2008 e, após, de setembro de 2008 a dezembro de 2013, na Grécia, captura o cenário econômico e sanitário prévio e sequente à crise global do capital e à implementação da Troika no país. Os resultados consolidados são constrangedores para a agenda neoliberal: revelam evidência estatisticamente significativa (diferença entre tendência de 0,0020, com intervalo de confiança de 95% de 0,0012 – 0,0028 e p<0.0001) de maior número de mortes por efeitos adversos durante o tratamento dos pacientes, segundo os próprios pesquisadores, contrastando com as evidências disponíveis e permitindo indicar a precarização do Sistema Nacional de Saúde, sobretudo na desregulamentação do mundo do trabalho dos profissionais de saúde. O período de austeridade traduzindo-se por 242 novas mortes mensais, estimadas desde o início da crise.

Pautar um Sistema de Saúde, portanto, pela restrição orçamentária, enfraquece sua capacidade técnica em oferecer cuidado, desmonta a força de trabalho de seus profissionais e agrava a morbimortalidade na população. Professores Ioannis e John destacam, ainda, ao longo de suas conclusões, que a queda de mortalidade global sofreu importante lentificação, sobretudo por agravos cardiovasculares (a primeira causa mundial de desfecho negativo nas populações), sendo muito mais sentida por mulheres (diferença entre tendência de 0,087, com intervalo de confiança de 95% de 0,064 a 0,11, p<0,0001) do que em homens, e significativamente impactando os mais idosos, a partir de 75 anos. Patologias psiquiátricas e neurológicas figuraram no período como importantes causas de afastamento das rotinas de trabalho.

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* Médico, especialista em Medicina de Família e Comunidade e em Atenção Primária à Saúde. Membro do Núcleo de São Paulo do CEBES e da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares.