PEC 287: como transformar superávit em “déficit”
Em relação ao documento Previdência: Reformar para Excluir?, saiba porque o propalado “rombo” previdenciário é um conceito que não corresponde à realidade
Do site PrevidênciaBrasil.info
O “déficit”. Em nove de cada dez propagandas do governo ou argumentos de defensores da PEC 287, a da “reforma” da Previdência, você vai ver a seguinte formulação: “a Previdência brasileira é deficitária. Se a PEC não for aprovada, vai quebrar”. Uma derivada desta é: “o Brasil gasta demais com Previdência”. Então. Não.
O terceiro capítulo do documento Previdência: Reformar para Excluir? é todo dedicado ao tema do “déficit”. Nele explica-se quais são os recursos definidos pela Constituição de 1988 para a Seguridade Social, na qual a Previdência se enquadra, junto com a Assistência Social e a Saúde; quanto o Brasil gasta do PIB com o sistema previdenciário e qual é, afinal, a conta que os governos fazem para acenar com o monstro do “déficit” toda vez que querem “reformar” a Previdência.
Uma coisa que se deve levar em conta, ao ler esses números, é a seguinte: esses argumentos não são novos. Desde 1988, quando o presidente José Sarney tentou, num derradeiro esforço, convencer os deputados constituintes a alterarem o capítulo da Constituição sobre a Ordem Social, diz-se que com ele “o país será ingovernável”. Na Ordem Social estão os artigos 194 e 195, que estabelecem o Sistema de Seguridade Social no Brasil. “Curioso”, diz o estudo, “é que nos últimos 30 anos nenhum daqueles prognósticos foram confirmados. Por que acreditar que eles serão confirmados daqui a 30 anos?” A previdência pública não quebrou. Se a PEC 287 não for aprovada e a Constituição for cumprida, ela não vai quebrar.
Por que? Porque o artigo 195 da Constituição concebeu o direito à previdência como parte integrante de um sistema de proteção social ao cidadão brasileiro – denominado Seguridade Social. “Esse arranjo constitucional foi inspirado no modelo tripartite clássico, encontrado em grande parte dos países desenvolvidos, no qual trabalhadores, empregadores e Estado são igualmente responsáveis pelo financiamento das políticas públicas que integram seus sistemas nacionais de proteção”, explica o estudo. Não é um modelo exclusivamente brasileiro. Como mostra a figura abaixo, em 2015, num conjunto de 15 desses países, a participação média relativa do governo no financiamento da Seguridade Social foi de 45% do total, seguida pela contribuição dos empregadores (34,6%) e dos trabalhadores (18%).
A Constituição instituiu o Orçamento da Seguridade Social com as seguintes fontes de receita:
• Contribuições Previdenciárias para o RGPS pagas pelos empregados e pelas empresas sobre a folha de salários ou sobre a receita bruta de vendas;
• Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL);
• Contribuição Social Para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), cobrada sobre o faturamento das empresas;
• Contribuição para o PIS-Pasep para financiar o Programa de Seguro Desemprego e os programas de Desenvolvimento do BNDES, também cobradas sobre o faturamento das empresas;
• Contribuições sobre Concurso de Prognósticos;
• Receitas próprias de todos os órgãos e entidades que participam desse orçamento.
O que o governo faz para encontrar um “déficit”? Ele não coloca todas essas fontes de receita na conta. Deixa de contabilizar as contribuições que são atribuições do Estado. “Desde 1989”, explicam os autores, “só são consideradas no orçamento da Previdência as contribuições dos trabalhadores e dos empregadores sobre a folha de salário. O que seria a contribuição do Estado no esquema de financiamento tripartite instituído na Constituição, passa a ser então denominado ‘déficit’.”
“O suposto ‘rombo’ de R$ 85,8 bilhões apurado pelo governo em 2015 poderia ter sido coberto com parte dos R$ 202 bilhões arrecadados pela Cofins, dos R$ 61 bilhões arrecadados pela CSLL e dos R$ 53 bilhões arrecadados pelo PIS-Pasep. Haveria ainda os R$ 63 bilhões capturados da Seguridade pela DRU e os R$ 157 bilhões de desonerações e renúncias de receitas pertencentes ao Orçamento da Seguridade Social.”
Outro dado: ao contrário do que diz o governo, a Previdência Social não é o maior item do gasto público. Esse título cabe às despesas financeiras com o pagamento de juros e amortizações, que têm impactos decisivos no ritmo de expansão da dívida pública. Em 2015, o Brasil pagou R$ 502 bilhões de juros e R$ 436 bilhões com benefícios previdenciários. Uma diferença de 66 bilhões. As despesas com juros consumiram 8,5% do PIB, ao passo que as despesas previdenciárias foram da ordem de 7,5% do PIB. E a dívida cresce nos últimos anos, por causa dos juros, enquanto o patamar de gastos com a Previdência se mantém.
Despesas previdenciárias da ordem de 7,5% do PIB não são elevadas na comparação internacional. Muitos países desenvolvidos, com maior taxa de envelhecimento da população, gastam em torno de 14% do PIB com Previdência. Além disto, no Brasil, mais de 80% dos idosos têm proteção na velhice, o que corresponde a duas vezes mais que a média da América Latina.
As contas do governo não são transparentes. “A narrativa oficial se baseia em modelos atuariais que preveem o aumento explosivo nas despesas com benefícios, sem paralelo com as receitas de contribuição no longo prazo. Estes modelos, caso existam, são guardados a sete chaves, bem longe do conhecimento público. Na verdade, não se sabe absolutamente nada sobre o modelo atuarial adotado pelo governo e pelos críticos da Previdência que suportam tais projeções.”