Plano de saúde acessível: risco à atenção integral ao usuário
Sob contestações de entidades e movimentos em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), foi publicada, sexta-feira, 4 de agosto, pelo ministro da saúde, Ricardo Barros, a portaria nº 1.482/2016, que cria um Grupo de Trabalho para discutir a implementação do Plano de Saúde Acessível. O projeto propõe a criação de planos mais baratos e com menos serviços do que os previstos pelo rol de procedimentos da ANS, que inclui os tratamentos, exames e cirurgias considerados como o mínimo necessário para atender às necessidades dos pacientes dos planos de saúde. Dessa forma, os planos atenderiam apenas consultas ambulatoriais e algumas internações.
Os críticos da medida apontam que a redução das exigências previstas pela ANS poderia se converter em uma permissão legal para que os convênios deixassem de ofertar tratamentos e exames mais caros. Questiona-se também o interesse do ministro em investir em um projeto relacionado ao setor privado, em vez de priorizar o sistema público. "O ato corrobora as falas de Ricardo Barros, deputado federal à frente do MS, que desde a posse vem demonstrando ser seu maior interesse ampliar a carteira dos planos privados e esvaziar ainda mais o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) como principal política e serviço de cuidado da população brasileira", aponta a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) em seu site, ressaltando que o grupo instituído pelo ministro contará apenas com a participação de indicações do Ministério, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSEG). A Abrasco e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) anunciaram que vão à Justiça para barrar o projeto, caso este siga adiante.
Atualmente existem, no mercado, planos mais baratos – os chamados planos ambulatoriais – que preveem apenas consultas e exames. Os movimentos ligados ao setor que são contrários à proposta afirmam que o projeto reduz o número de procedimentos que os convênios são obrigados a cobrir e consequentemente a qualidade do serviço prestado. O ministro Ricardo Barros afirmou, em entrevista à Folha de S.Paulo, que “nem o SUS garante bom atendimento” e que, caso as pessoas fiquem descontentes com o serviço dos novos planos, poderão cancelá-los. As operadoras defendem a proposta considerando que amplia o acesso dos usuários aos serviços disponíveis. “O modelo de hoje está insatisfatório porque expulsa grande parte da população pela incapacidade de pagamento. Precisamos adaptar o produto a essa capacidade”, afirma a presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Solange Beatriz Mendes.
“É um retrocesso”, resume pesquisador José Antônio Sestelo, do Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento da Saúde da UFRJ e vice-presidente da Abrasco, em entrevista ao jornal El País. “Para diminuir o rol seria necessário alterar a Lei ou realizar normativas da própria ANS”, considera. Segundo Sestelo, a medida poderia fazer com que a situação do setor se assemelhasse ao que ocorria antes da criação da Lei dos Planos de Saúde, que regulamentou a área em 1998. “O objetivo da Lei era impor limites ao esquema de comércio dos planos, que não tinha regulamentação. Naquele período, havia muita reclamação de usuários pela negativa de coberturas e uma das principais conquistas foi a criação do rol de procedimentos”, diz.
Para diminuir o rol seria necessário alterar a Lei ou realizar normativas da própria ANS (José Sestelo)
A Abrasco e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) também afirmaram que o projeto pode desencadear um aumento no número de reclamações dos usuários na Justiça. Atualmente, muitos pacientes procuram o Judiciário para denunciar o não cumprimento do rol por parte das operadoras e o impedimento ao acesso aos procedimentos mais caros. As entidades também apontam a dificuldade que os usuários poderiam enfrentar ao tentar identificar a quais procedimentos eles teriam acesso. “Uma pessoa pode pensar: sou jovem, vou pagar essa mensalidade baixa que não me dá direito a tudo, já que não vou precisar. Mas ele pode atravessar a rua, ser atropelado e parar na UTI. E aí? Saúde não é uma relação de consumo, como escolher uma roupa e pronto”, observou Sestelo, na entrevista ao El País.
Saúde não é uma relação de consumo, como escolher uma roupa e pronto (José Sestelo)
Em nota oficial, o Conselho Federal de Medicina faz uma defesa do SUS e posiciona-se contrariamente ao projeto. "Se implementada, esta proposta não trará solução para os problemas do Sistema Único de Saúde (SUS), possivelmente sem a inclusão de doentes crônicos e idosos, resultando em planos limitados a consultas ambulatoriais e a exames subsidiários de menor complexidade. Portanto, não evitarão a procura pela rede pública ou impacto prejudicial ao financiamento do SUS", diz o texto. (Por Luiza Medeiros/CEE-Fiocruz)
Leia abaixo a íntegra da nota do CFM:
Em relação à portaria do Ministério da Saúde publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (5), que cria Grupo de Trabalho para discutir e elaborar o projeto de plano de saúde com caráter popular, o Conselho Federal de Medicina (CFM) informa que:
A autorização da venda de “planos populares” apenas beneficiará os empresários da saúde suplementar, setor que movimentou, em 2015 e em 2016, em torno de R$ 180 bilhões, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS);
Se implementada, esta proposta não trará solução para os problemas do Sistema Único de Saúde (SUS), possivelmente sem a inclusão de doentes crônicos e idosos, resultando em planos limitados a consultas ambulatoriais e a exames subsidiários de menor complexidade. Portanto, não evitarão a procura pela rede pública ou impacto prejudicial ao financiamento do SUS;
Propostas como a de criação de “planos populares de saúde” apropriam-se e distorcem legítimos desejos e anseios da sociedade;
Na expectativa de um novo governo e de uma nova cultura de proficiência, eficácia e probidade na Nação, a sociedade conta, na verdade, com a adoção de medidas estruturantes para o SUS, como: o fim do subfinanciamento; o aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão; a criação de políticas de valorização dos profissionais, como uma carreira de Estado para os médicos; e o combate à corrupção.
Somente a adoção de medidas dessa magnitude será capaz de devolver à rede pública condições de oferecer, de forma universal, o acesso à assistência segundo parâmetros previstos na Constituição de 1988 e com pleno respeito à dignidade humana.
Brasília, 5 de agosto de 2016