‘Todos os mecanismos que minimizem os efeitos do monopólio da produção de medicamentos são bem-vindos’
A pesquisadora do Núcleo de Assistência Farmacêutica da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) Gabriela Costa Chavez conversou com o blog do CEE sobre o monopólio da produção de medicamentos e a anuência prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para solicitação de patentes de medicamentos, defendida no Relatório do Grupo de Trabalho sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos das Nações Unidas, divulgado em junho. Segundo a pesquisadora, a anuência prévia, dispositivo previsto por lei que garante a participação do Ministério da Saúde na análise de pedidos de patentes de medicamentos, é uma das salvaguardas da Lei 9.279/1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. “A lei tenta interpretar o Acordo Trips [Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio], para proteger minimamente a saúde pública”.
Leia a seguir a análise da pesquisadora Gabriela Costa Chavez para o blog do CEE-Fiocruz.
“Ao longo dos anos, a figura da anuência prévia da Anvisa vem sendo um instituto para a saúde pública, na medida em que tenta proteger as distorções que o mercado farmacêutico cria na obtenção de patentes de medicamentos. O Acordo Trips dá aos países autonomia para fazer suas interpretações, de forma a atender os requisitos para concessão dessas patentes.
No caso do Brasil, o país adotou, desde o início, a Anvisa como chave para exame dos diferentes casos, partindo do pressuposto de que, por ser um órgão da Saúde, vai fazer um exame mais restritivo, com um olhar que evite a concessão de patentes secundárias [estratégia que faz uso do licenciamento de diferentes atributos de um mesmo medicamento, de modo a prolongar o tempo de exclusividade de mercado]. Em outros países, essa interpretação pode se dar por uma guia de exames, pelos respectivos institutos nacionais de patentes. Não é obrigatório que isso seja atribuído ao um outro órgão. O Brasil, no entanto, fez a opção por um órgão ligado à saúde, para examinar as ações de solicitação de patentes e examinar os requisitos de patenteabilidade.
A ameaça ao dispositivo da anuência prévia põe em risco o acesso da população a medicamentos. Essa é uma salvaguarda incorporada à Lei 9.279/1996, em 2001 [pela Lei 10.196], como medida de proteção à saúde pública. A emenda foi um esforço de interpretar o Acordo Trips, não só do ponto de vista do comércio, mas do ponto de vista social. A figura da anuência prévia expressa-se como esforço do Poder Executivo para evitar o monopólio dos medicamentos e a concessão das patentes secundárias.
A figura da anuência prévia expressa-se como esforço do Poder Executivo para evitar o monopólio dos medicamentos e a concessão das patentes secundárias
É importante apontar que, ao longo dos anos, a garantia de acesso a medicamentos tornou-se parte da garantia do direito humano à saúde. A questão das patentes, suas implicações no preço dos medicamentos e a sustentabilidade do acesso a programas de medicamentos têm sido bastante abordadas no âmbito da ONU e do debate sobre direitos humanos. Está na ordem do dia discutir como assegurar acesso às novas tecnologias em um sistema que leva a preços tão elevados.
Está na ordem do dia discutir como assegurar acesso às novas tecnologias em um sistema que leva a preços tão elevados
Por isso, a incorporação dessas questões em um relatório como o do Grupo de Trabalho sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos das Nações Unidas tem muita relevância. Expressa o reconhecimento da importância de os países em desenvolvimento adotarem as salvaguardas previstas no Acordo Trips, em proteção à saúde pública. Considerando que temos um Sistema Único de Saúde e que asseguramos o acesso a medicamentos de forma gratuita, todos os mecanismos que possam minimizar os efeitos do monopólio são bem-vindos”. (Por: Vitória Régia Gonzaga/CEE-Fiocruz)