Pulverização de inseticidas em áreas urbanas: uma demanda do mercado, não da Saúde
A Lei nº 13.301/2016 aprovada pelo presidente interino Michel Temer nesta terça-feira, 28/6/2016, que dispõe sobre medidas de controle do mosquito Aedes aegypti, autorizando a pulverização aérea de inseticidas em áreas urbanas, consiste em um equívoco e um enorme perigo. De acordo com o texto, fica permitida a “incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão por aeronaves mediante aprovação das autoridades sanitárias e da comprovação científica da eficácia da medida”.
A situação revela-se grave uma vez que essa proposta não parte de segmentos da Saúde, mas de um segmento do mercado, que atua na venda de serviços – o Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag). A demanda do sindicato foi levada ao Congresso pelo deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC), sob a forma de emenda à Medida Provisória 712/2016 (que dispõe sobre a adoção de ações de vigilância em saúde contra o mosquito transmissor dos vírus da dengue, zika e chicungunya), com apoio da bancada ruralista. A emenda foi aprovada e agora sancionada pela presidência interina.
O sindicato defende pulverizar locais habitados, onde estão situadas residências, escolas, creches, hospitais, clubes, feiras, comércio, lagos, lagoas, com inseticidas organofosforados e piretroides, entre outros, produtos que causam sérios danos à saúde. Instituições, como a Fundação Oswaldo Cruz, e entidades como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) já haviam se posicionado veementemente contra a medida.
O controle de vetores no Brasil sempre foi atribuição direta do Ministério da Saúde e seus órgãos vinculados, como as secretarias estaduais e municipais, bem como instituições de pesquisa nessa área. Não há qualquer fundamentação para a pulverização de inseticidas em áreas urbanas que tenha sido formulada por órgãos ligados à saúde. É importante que fique claro que Ministério da Saúde nunca demandou isso e tem posição contrária a esse procedimento.
O controle de vetores no Brasil sempre foi atribuição direta do Ministério da Saúde e secretarias estaduais e municipais, bem como instituições de pesquisa nessa área. Não há qualquer fundamentação para a pulverização de inseticidas em áreas urbanas que tenha sido formulada por órgãos ligados à saúde
Dada a organização espacial das cidades, toda a população fica exposta aos produtos tóxicos, além dos danos a serem causados a organismos não alvo, como abelhas e pequenos mamíferos. Trata-se de elevadíssimo risco de contaminação ambiental e baixa ou nenhuma eficácia no controle dos vetores. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o próprio Ministério da Saúde já concluíram que ações voltadas ao controle dos insetos adultos não são eficazes. O fumacê também está nessa modalidade.
Quando já se tem conhecimento amplo da ineficácia da medida e dos perigos que poderá representar não há razão para estudos. A pulverização em áreas urbanas agrava mais o problema
Não cabem, assim, estudos pilotos, como propôs o sindicato, pelo qual já se começaria a pulverizar algumas áreas. Em nota, o Ministério da Saúde já havia se manifestado sobre as questões técnicas e científicas que envolvem esse procedimento. Esse parecer está disponível no site do ministério. Quando já se tem conhecimento amplo da ineficácia da medida e dos perigos que poderá representar não há razão para estudos. A pulverização em áreas urbanas agrava mais o problema do que resolve.
No Brasil diversos setores da sociedade, como o Ministério Público e organizações da sociedade civil vêm pedindo a proibição desse procedimento em áreas rurais. O tema é pauta permanente dos movimentos sociais e dos fóruns contra os agrotóxicos. O bloco europeu e outros países vêm também determinando essa proibição. Temos casos de contaminação relatados no campo, em diferentes cidades do país, em escolas rurais e aldeias indígenas, entre outros pontos. Esses danos já foram apontados no Dossiê Abrasco – um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde (2015). De acordo com a Instrução Normativa nº2 de 01/01/2008 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento já é proibida a pulverização aérea na agricultura a menos de 500 metros de povoações, cidades, vilas, bairros e mananciais de captação de água para abastecimento e a menos de 250 metros de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais – o que não elimina os riscos de intoxicação nessas áreas, é necessário ressaltar. O que significa, então, voltar a defender isso para as áreas urbanas, onde a concentração de pessoas e animais é ainda maior? Por que banalizar o que já é bastante problemático na agricultura?
Para fazer frente aos vetores nas cidades, já estão apontadas várias estratégias de controle dos focos de mosquito, nos locais onde há as larvas, com eficácia maior. Isso, agregado à participação efetiva da população e ao envolvimento do poder público nas questões de saneamento e limpeza, pode reduzir de fato a quantidade de mosquitos. Sabemos que por questões estruturais e de recursos o andamento dessas medidas é lento em relação às expectativas, mas propor a pulverização aérea só irá agregar mais um problema e um perigo para a população. Os mosquitos não serão eliminados, continuaremos a ter doenças por eles transmitidas e, ainda, lidaremos com o risco de intoxicação, por alimentos e água contaminados.
Temos que concentrar energias nas medidas já conhecidas de combate ao mosquito, cobrar do governo mais recursos e buscar a participação popular para garantir a efetividade dessas ações, não partir para soluções mirabolantes, que servem mais para atender as necessidades de mercado e de determinados segmentos.
A Fiocruz tem importante histórico nesse processo. A Fundação participa diretamente da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos, como instituição de pesquisa, juntamente com o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e a Abrasco. O Grupo de Trabalho sobre Agrotóxicos da Fiocruz vai elaborar nota mais detalhada sobre as modalidades de aplicação desses produtos, relacionando o que cabe à saúde pública brasileira fazer. Essa é uma atribuição específica da Saúde e não deve ter interferência de qualquer órgão comercial ou político-partidário.
* Pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Ensp/Fiocruz).
Entidades manifestam-se contra a medida:
Nota da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) contra a pulverização aérea de inseticida para controle de vetores
Ofício conjunto Conass/Conasems solicitando veto à proposta de pulverização aérea de inseticidas.
Parecer técnico do Ministério da Saúde