A radicalizaçao estéril
José Maurício Domingues *
Há momentos de radicalização política inevitáveis na vida das sociedades. Podem levar a uma reorganização relativamente ampla das relações e das instituições sociais, das formas de pensar, recortar os caminhos do futuro. Muitas vezes são progressistas, representando avanços nos padrões civilizatórios. Mudanças e renovação profundas por vezes emergem disso. Com frequência essa radicalização se vincula a esforços conservadores que na verdade vão na direção de preservar poderes e privilégios, mas que podem implicar também reformulações significativas da vida social. Podem ser odiosos, mas têm rumo e produtividade.
Há momentos de radicalização meramente estéreis, destrutivos, sem que se abram novos caminhos. Em grande medida é isso que o Brasil vive nesse momento. Não existem agendas fortes e construtivas, agregadoras, renovadoras, nem por parte da esquerda, nem por parte da direita, as mediações vão sumindo ou se enfraquecendo, ao menos temporariamente, novas forças tardam a emergir. O sistema político encontra-se paralisado e emerge o Judiciário com uma força e motivações que são ou excessivas ou poucos claras. É o caso da Operação Lava-Jato, que há bem mais de um ano mobiliza o país.
Há momentos de radicalização meramente estéreis, destrutivos, sem que se abram novos caminhos. Em grande medida é isso que o Brasil vive nesse momento.
Para uns trata-se sem dúvida de um golpe, para outros de um processo de renascimento. Aqueles obviamente o denunciam, muitos destes o utilizam para tentar destruir a esquerda. Alguns, inclusive na esquerda ou de forma mais distanciada, a veem como fenômeno positivo, ainda que nela localizem excessos.
Isso foi sem sombra de dúvida o que ocorreu com a “condução coercitiva” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seja lá como se defina, legitime, reivindique o status legal e constitucional desse instrumento judicial e a amplitude com a ele se utilize. Nesse quadro, as forças de direita se mobilizam contra o governo e o PT de forma extremamente agressiva, ao passo que este e seus aliados tendem a também se defender radicalizando a situação. Sem que nada mostre que esse processo nos levará a qualquer novo início, sequer do ponto de vista das forças de direita, enquanto que para o PT isso se mostra como movimento exclusivamente defensivo e de desilusão. Um ciclo puramente destrutivo pode advir disso.
Não há como desconhecer os erros do PT e de Lula, assim como dos governos Dilma Rousseff, erros que os levaram a essa situação de fragilidade e o Brasil a uma situação extremamente difícil. Apostar porém em uma solução desses problemas que jogue o país na fogueira, desrespeitando resultados eleitorais e impondo uma justiça seletiva é algo inaceitável e que pode ter consequências históricas gravíssimas.
Não há como desconhecer os erros do PT e de Lula, assim como dos governos Dilma Rousseff. Apostar porém em uma solução desses problemas que jogue o país na fogueira, desrespeitando resultados eleitorais e impondo uma justiça seletiva é algo inaceitável e que pode ter consequências históricas gravíssimas.
Querer, por outro lado, que a Lava-Jato se detenha é implausível, não só do ponto de vista da opinião pública, do sistema judiciário em seu conjunto ou do Supremo Tribunal Federal. Se a pirotecnia da Polícia Federal, do Ministério Público e da mídia, assim como sua autorização pelo juiz Sérgio Moro, ainda que tenha moderado seu encaminhamento e negado outros a ele relacionados, foi um tiro no pé, demandar que eles detenham a investigação ou que ela saia do Paraná, onde corre hoje, tem o mesmo efeito. É preciso combater seus excessos, controlar o que nela pode ter de golpista e reivindicar que denúncias e indiciamentos, processos e condenações, legais e políticas, atinjam o conjunto das forças políticas e empresariais que vem operando ao arrepio da lei, sem incorrer no mesmo problema, qualquer que seja a doutrina jurídica adotada.
Sobretudo é preciso encontrar uma solução política para a crise, que se estenderá indefinidamente, em todos os âmbitos da vida nacional, se novas coalizões e novos projetos não se estabelecerem rapidamente. Um grande acordo nacional não é só improvável, ninguém parece querê-lo. Buscar estabelecer um mínimo de acordo em torno à preservação das instituições e dos símbolos nacionais é, todavia, uma necessidade imperiosa deste momento. Talvez nem tudo seja retrocesso ao final desse processo, mas, quanto mais uma radicalização estéril se aprofunde e quanto mais tempo a crise total em que nos afundamos leve para ser superada, maior será o preço que ao fim pagaremos.
* Professor do Iesp-Uerj, pesquisador associado ao CEE-Fiocruz e autor de O Brasil entre o passado e o futuro (Rio de Janeiro: Mauad, 2015, 2ª edição).