Brasil precisa celebrar a defesa da democracia, afirma Janine Ribeiro em abertura do Fórum Interconselhos

Brasil precisa celebrar a defesa da democracia, afirma Janine Ribeiro em abertura do Fórum Interconselhos

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Em fala, presidente da SBPC fez um breve histórico do desmonte que a Ciência enfrentou nos últimos anos e afirmou que só a conscientização poderá fazer com que o autoritarismo não volte ao País

 

Homem de terno azul fala em um púlpito, observado por um homem e uma mulher sentados em uma mesa de evento

Do Jornal da Ciência/SBPC *

O presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Renato Janine Ribeiro, foi um dos convidados a participar da abertura da retomada do Fórum Interconselhos, realizada em 18/4/2023, no auditório da Escola Superior de Defesa, em Brasília.

Criado em 2011, mas interrompido em 2017, o Fórum Interconselhos foi estruturado para a idealização do Plano Plurianual (PPA) Participativo. O PPA é uma das três leis orçamentárias do Brasil – juntamente à LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e à LOA (Lei Orçamentária Anual). O PPA define as diretrizes, eixos e objetivos estratégicos do Governo Federal e é elaborado de quatro em quatro anos – sua estrutura é debatida sempre no primeiro ano do novo mandato governamental e sua vigência começa sempre no segundo ano daquele mesmo mandato. Para a sua idealização, os debates sobre o PPA contam com a participação de representantes governamentais e membros de entidades da sociedade civil, como a SBPC.

Acompanhado pela presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, e pelo presidente do Conselho das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, Odir Dellagostin, Janine Ribeiro apresentou um breve panorama do desmonte pelo qual a Ciência passou nos últimos anos e de sua importância para resolver crises do país, como a pandemia da Covid-19, além de seu papel essencial na economia, como no desenvolvimento agrícola.

“Tudo isso é Ciência, e tudo isso implica também a importância de que a gente invista na ciência”, defendeu o presidente da SBPC, citando a necessidade de programas que estimulem a formação de jovens cientistas, o aumento da estrutura educacional, o aumento das bolsas de pesquisa, além de olhar para a ciência além de seu Ministério – o da Ciência, Tecnologia e Inovação -, apoiando o seu desenvolvimento em outras pastas, como Saúde e Meio Ambiente.

Em sua fala, transcrita a seguir, Janine Ribeiro também ressaltou a importância de o Brasil estar vivendo um governo democrático neste momento, o que exige valorizarmos a democracia, de modo a evitar que novos regimes autoritários cheguem ao país.

“A SBPC está lançando, com demais sociedades científicas, um documento propondo que a sociedade brasileira crie um Dia Nacional de Defesa da Democracia. Como foi feito na Argentina, quando começou a ruir a ditadura, em que a própria sociedade decidiu comemorar a democracia todo ano, na data do golpe militar. Nós precisamos que nas nossas escolas e nos ambientes de cultura seja constantemente dito que é importante a democracia”, justificou.

O lançamento da campanha em prol do Dia Nacional de Defesa da Democracia se deu no dia 17/4/2023, nos canais oficiais da SBPC e de entidades parceiras.

Confira a fala completa de Janine Ribeiro.

 

Bom dia a todos, 

Estou muito grato de ter sido convidado para falar, para figurar na mesa, pelo Renato Simões, secretário da Secretaria Geral da Presidência da República, estou muito contente de estar aqui. 

Eu sou o Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação da presidente Dilma – naquela fase em que já se planejava a anulação do voto livre, depositado nas urnas, nas eleições limpas de 2014. Atualmente, sou presidente da SBPC, e estou aqui como membro do Conselho de Ciência e Tecnologia da Presidência da República, assim como a professora Helena Nader – por favor, Helena, se levante um instante -, que é presidente da Academia Brasileira de Ciências, e o professor Odir Dellagostin, que preside o Conselho das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa. 

A SBPC é a maior sociedade científica da América Latina, tem 170 sociedades científicas afiliadas, tem milhares de sócios e nós estamos muito contentes com a volta da das pautas éticas, das pautas decentes, das pautas por um Brasil muito melhor, recuperando a ciência, a educação, a inclusão social, o meio ambiente, a cultura, várias questões que são da mais alta importância. 

Se algum de vocês teve a oportunidade de ver o programa Fantástico no domingo (16/04), houve uma reportagem de quase 15 minutos – o que na TV é uma eternidade – em que Helena, eu e Odir, todos participamos, o Odir forneceu os dados que mostram a calamidade que foi a destruição da Ciência, o corte de bolsas nos governos tenebrosos que passamos recentemente. 

Esse trabalho é importante para a gente apontar alguns caminhos que são essenciais e que o novo governo tem que estar muito atento. 

Primeiro, a questão da vacina. Nós temos 700 mil mortos no Brasil [pela covid-19], que é quatro vezes mais que a média mundial. Isso quer dizer que se o governo passado tivesse feito a média do resto do mundo, não estou falando de casos excepcionais como a China, que lutou por uma política de zero covid e conseguiu ter um número de mortes muito pequeno. Eu estou falando se tivesse ficado apenas na média, 500 mil brasileiros não teriam morrido. Essa conta é horrível. Para quem dizia que a ditadura deveria ter matado 30 mil, foram 500 mil mortos em decorrência da campanha em favor da covid-29, conduzida no governo passado. E quem permitiu resolver a questão da covid foi a ciência, foi a ciência com vacinas, foi a ciência com cuidados pré-vacinais durante os 12 meses que transcorreram entre começar a pandemia e começarem os braços brasileiros a serem vacinados. Foram 12 meses até nós termos uma cobertura vacinal razoável, foram mais seis a 12 meses ainda. Muita gente contraiu a Covid-19 depois, eu mesmo contraí no ano passado, nesta cidade, em julho, mas graças a Deus e, sobretudo, à Ciência, as pessoas que estão tendo Covid hoje, geralmente, estão tendo uma situação muito mais leve. Então, essa é uma importância da ciência. 

Outra importância, que também apareceu na reportagem do Fantástico, está na questão da produção agrícola. Tanta gente falou no governo passado, se colocou uma questão de Economia versus Saúde, Economia contra a Ciência. Pois bem, um dos maiores ganhos da agricultura brasileira se deve a uma cientista notável, que comemorará 100 anos de nascimento no ano que vem: Johanna Döbereiner, nascida na Tchecoslováquia, naturalizada brasileira, e que ensinou como a extrair nitrogênio do ar e colocá-lo no solo, economizando uma fortuna em produtos agrícolas e trazendo resultados notáveis. 

Tudo isso é Ciência, e tudo isso implica também a importância de que a gente invista na ciência; na formação de jovens cientistas; nos cursos de graduação; na iniciação científica; nas bolsas da Capes e do CNPq; nos auxílios que apareçam por outros Ministérios; que a gente saúde o fato de que o Ministério do Meio Ambiente agora agregou ao seu nome a mudança climática, que é uma das grandes questões que a Ciência está enfrentando hoje; que o Ministério da Saúde tenha uma secretaria nas mãos do nosso companheiro Carlos Gadelha, que está lidando especificamente com os aportes da ciência para a saúde, que são essenciais – sem ciência não há saúde, o que ficou muito claro pelos quatro anos de desastre que vivemos em várias dessas pastas. 

E, finalmente, eu quero dizer que a SBPC, junto com a ABC, junto com a Confap, que aqui estão presentes, e junto com mais de 70 sociedades científicas a nós afiliadas, mais a Andifes, mais a Conif, mais a Associação Brasileira de Imprensa, está lançando esses dias, a propósito dos 100 dias da tentativa de golpe, já ditos pela ministra Simone Tebet, está lançando um documento propondo que a sociedade brasileira crie um Dia de Defesa da Democracia. Crie como foi feito na Argentina, quando começou a ruir a ditadura, que a própria sociedade, não foi o governo, a própria sociedade decidiu comemorar todo ano, na data do golpe militar que acabou com a democracia na Argentina e com muitas vidas. Talvez 30 mil vidas, talvez não seja por acaso esse número tem sido invocado pelo ex-presidente, mas 30 mil foram provavelmente os assassinados na Argentina. E a sociedade civil argentina, a partir de 1983, celebra um dia de repúdio à ditadura, e nós pensamos em também propor à sociedade brasileira que crie um dia de repúdio à ditadura. 

A nossa discussão evoluiu, e vamos soltar amanhã um documento para qual toda a sociedade e entidades estão convidadas a assinar. Ele estará em nossa página, com o propósito de um dia mais do que de repúdio à ditadura, mas de celebração da democracia, um dia de educação democrática, isso falta. Nós precisamos que nas escolas, nos ambientes de cultura, seja constantemente dito que é importante a democracia. Então, esse documento será lançado amanhã à tarde (19/04), nos nossos canais da SBPC, nos canais de todos os outros órgãos a nós associados, e eu convido todos a fazermos isso: que nunca mais, essa palavra nunca mais foi celebrizada, pelo repúdio à tortura, agora o repúdio é à ditadura, é ditadura que gera tortura, que gera censura, gera atraso, gera mortes. Então, nós temos que lutar por essa data em defesa da democracia. Muito obrigado a todos.

* Publicado em 18/4/2023