Mais empregos e menos renda: o retrato atual da economia brasileira

Mais empregos e menos renda: o retrato atual da economia brasileira

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Publicado no IHU Online

As estimativas do Banco Central para o crescimento do Produto Interno Bruto - PIB brasileiro em 2019 eram na casa de 1,2% na soma dos quatro trimestres do ano passado. Somado ao crescimento baixíssimo, a perda de poder aquisitivo das populações mais pobres trava ainda mais a roda da economia. “Em 2019, houve uma forte alta dos preços dos alimentos, cujo impacto é mais forte sobre a inflação das classes mais pobres. Sendo assim, uma inflação maior para os mais pobres acaba gerando uma perda maior no poder de compra desta população”, pondera a pesquisadora Maria Andreia Lameiras, em entrevista ao IHU On-Line.

A presumida alta no volume de empregos não levou consigo um aumento da renda dos trabalhadores. “Se a economia começa a gerar mais empregos e se estes têm um salário de entrada mais baixo do que os vigentes na economia, isto pode gerar uma queda momentânea do salário médio. Mas, ainda assim, estamos em uma situação melhor que a anterior, dado que há mais pessoas ocupadas”, salienta. Os jovens, contudo, continuam alijados do mercado de trabalho formal. “Em momento de desemprego alto, a falta de experiência dos mais jovens acaba fazendo não apenas com que esta população tenha maior dificuldade na obtenção de um emprego, como também faz com que eles formem o grupo com maior propensão ao desemprego”, complementa.

 

Confira a entrevista.

 

Segundo dados do Ipea, 51,8% dos mais pobres não tiveram ou perderam rendimentos nos três primeiros trimestres do ano de 2019. Como compreender esses números? O que leva a esse cenário?

Deve-se levar sempre em conta que estamos nos referindo a rendimentos médios, o que significa que quando há a entrada de trabalhadores com salários mais baixos, automaticamente, a média salarial da faixa cai. Esse é o que chamamos de efeito composição. Adicionalmente, destaca-se que em 2019 houve uma forte alta dos preços dos alimentos, cujo impacto é mais forte sobre a inflação das classes mais pobres. Sendo assim, uma inflação maior para os mais pobres acaba gerando uma perda maior no poder de compra desta população.

No contexto do Brasil de hoje, quais são os efeitos práticos da queda de rendimento das pessoas mais pobres?

Uma análise mais importante que a dos rendimentos é a da massa salarial (número de ocupados vezes o rendimento médio). Isso porque pode haver situações nas quais o rendimento pode estar relativamente alto, mas o número de pessoas que recebem este rendimento é pequeno, e neste caso poucas pessoas estão consumindo. Por outro lado, pode haver situações em que mesmo sob vigência de um salário um pouco menor, há mais pessoas recebendo salário e, consequentemente, consumindo.

 

Uma inflação maior para os mais pobres acaba gerando uma perda maior no poder de compra desta população

 

No ano de 2019, o governo federal insistiu na ideia de recuperação econômica, de que se começou a gerar emprego e rever quadros negativos da economia. Essa tese se sustenta diante dos dados de perdas de rendimento da população, especialmente a mais pobre?

Esta pergunta se correlaciona com a anterior. Se a economia começa a gerar mais empregos e se estes têm um salário de entrada mais baixo do que os vigentes na economia, isto pode gerar uma queda momentânea do salário médio. Mas, ainda assim, estamos em uma situação melhor que a anterior, dado que há mais pessoas ocupadas.

Nesse mesmo contexto de perda de rendimentos dos mais pobres, o governo federal vê aumentar a fila de espera pelo Bolsa Família. Qual o impacto de programas sociais desse tipo no rendimento dos mais pobres? Esses programas também podem ser um caminho para aquecer a economia?

Os programas sociais, se bem aplicados e com foco nos mais necessitados, podem, de fato, gerar um aumento do consumo e, por consequência, contribuir para um aquecimento ainda maior da economia.

Com relação aos rendimentos da classe média, como avalia os números de 2019? Como compreender seu contexto em perspectiva com os mais pobres?

De acordo com a abertura por faixas, esse grupo foi o que apresentou maiores ganhos nos seus rendimentos, explicados por uma inflação um pouco mais amena neste segmento, aliado a um salário nominal mais elevado, que pode ser fruto tanto de aumentos salariais mais elevados, quanto de um efeito composição, em que a saída de salários mais baixos pode acabar por elevar momentaneamente a média.

De que forma o quadro de desemprego, subemprego e perda de rendimentos impacta os mais jovens?

Maria Andreia Lameiras – Em momento de desemprego alto, a falta de experiência dos mais jovens acaba fazendo não apenas com que esta população tenha maior dificuldade na obtenção de um emprego, como também faz com que eles formem o grupo com maior propensão ao desemprego.

Com base no fechamento de 2019 e nas primeiras semanas de 2020, o que é possível projetar quanto aos rendimentos dos brasileiros, especialmente os mais pobres?

Ao longo de 2020, a expectativa é de reversão desta perda de rendimentos das classes mais baixas, uma vez que é esperado um movimento conjunto de arrefecimento da inflação (possibilitado por um comportamento mais benevolente dos alimentos) e melhora de salários nominais.

Que tipo de políticas públicas são eficazes para o aumento, ou pelo menos a manutenção, dos rendimentos? E quais os desafios para implementar essas políticas?

A melhora das condições do mercado de trabalho (queda do desemprego e ganhos salariais) está diretamente ligada a uma retomada mais rápida da atividade econômica, que só será possível através da expansão dos investimentos públicos e privados.

Como projeta o cenário do emprego no Brasil de 2020?

A expectativa é de que a recuperação do mercado de trabalho continue ao longo do ano, com aumento no ritmo de criação de novos empregos, gerando uma queda da taxa de desocupação e uma expansão da massa salarial.

Quais os maiores desafios do Brasil para se começar a falar em diminuição da taxa de desemprego e aumento dos rendimentos da população?

O país precisa criar as condições necessárias para a implementação de um ciclo de crescimento econômico sustentável ao longo do tempo.

 

Maria Andreia Lameiras é técnica de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas.