Saúde mental: ‘Não dá para o filme rodar para trás’, avalia Francisco Inácio Bastos
Desde a indicação do psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho ao cargo de coordenação geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas pelo Ministro da Saúde, Marcelo Castro, teme-se pelos rumos da política de saúde mental brasileira. Devido ao seu histórico como diretor clínico da Casa de Saúde Dr. Eiras, em Paracambi (RJ), fechada após denúncias de violações de direitos humanos, profissionais da saúde, pacientes e familiares pedem a indicação seja revogada, sob pena de se ver um retrocesso na luta antimanicomial criticada pelo novo diretor, também adversário da Reforma Psiquiátrica Lei 10.216/2001.
Diante dos protestos, o ministro da Saúde expressou seu Compromisso com a saúde mental, em artigo no jornal O Globo, de 12/01/2016, em que justifica a escolha do nome de Valencius Wurch que, segundo ele “ é conforme a política de saúde mental que está nas leis, nos pactos nacionais e internacionais que preconizam a humanização do cuidado da pessoa com transtorno psíquico”. O artigo não fez efeito, como apontaram, em resposta, Benilton Bezerra Jr. e Pedro Gabriel Duarte em outro artigo no mesmo jornal, em 15/01, afirmando que a escolha do ministro contradiz seu compromisso e pedindo a revisão do nome para a coordenação da saúde mental.
Entidades como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), Conselho Federal de Psicologia (CFP) e Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também já se posicionaram contrárias a nomeação de Wurch e entregaram uma carta ao Conselho Nacional de Saúde reivindicando a revogação do cargo.
O blog do CEE-Fiocruz ouviu o pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) Francisco Inácio Bastos sobre a repercussão da nomeação de Wurch: “Teremos um impasse”, considera. “O Brasil é signatário de uma série de acordos, tratados e legislações internacionais. Pouco tempo depois dessa polêmica os especialistas da OMS se manifestaram. Por isso, não consigo imaginar um país do porte do Brasil implementando uma política na contramão da OMS. Não dá para rodar o filme para trás. Mas não vejo condição política de se ir a lugar algum”, analisa, referindo-se à nomeação de um psiquiatra cuja trajetória acompanhou.
Francisco Inácio conta que começou a carreira médica quando o psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho e sua equipe dirigiam a Dr. Eiras, clínica que teve oportunidade de visitar várias vezes, devido ao seu trabalho com Neurologia e Psiquiatria. Nessas visitas, foi possível comprovar as péssimas condições de tratamento, acomodação e alimentação em que o modelo hospitalocêntrico se baseava. Segundo o pesquisador esse “modelo da Dr. Eiras e de outras grandes clínicas entraria em colapso por si só, ainda que não existisse uma reforma psiquiátrica.”, pois ele já se mostrava deficiente no Brasil e em outras partes do mundo.
A situação de impasse, no entanto, preocupa e não é menos ameaçadora que o retrocesso nas políticas que tantos profissionais e instituições ligadas a saúde temem. “Não sei se é o menos pior”, diz. “E a gente está com tantos problemas na saúde e no país, em várias áreas, não consigo ver nada de positivo saindo desse tipo de conflito”
(por Vitória Régia Gonzaga /CEE-Fiocruz).