Relatos da 16ª Conferência Nacional de Saúde: consenso em torno da defesa da saúde como direito
Em cada participante, um protagonista. A 16ª Conferência Nacional de Saúde, que terminou nesta quarta-feira, 6/8/2019, mostrou-se a expressão maior da participação social na área da saúde, conforme relatos para o blog do CEE-Fiocruz da pesquisadora Ligia Giovanella, que participou do evento como convidada, e do coordenador-adjunto da conferência, Ronald Santos.
“Foi um momento de congraçamento, de debates políticos intensos, com participação de movimentos sociais e delegados de todos os estados do país, discutindo as políticas de saúde, reiterando os princípios do SUS, de um sistema público universal de qualidade, que garanta o acesso à saúde como condição de cidadania”, destacou Ligia Giovanella, professora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca e integrante da Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde da Abrasco, destacando a capacidade dos mais de 5 mil participantes de construir “uma institucionalidade participativa inigualável internacionalmente”.
Ouça os podcasts com os relatos de Ligia Giovanella e Ronald Santos.
Os quatro dias de debates giraram em torno da defesa da democracia, tendo em vista o eixo que atravessou a programação da conferência – Democracia e Saúde. “Discutimos as questões do financiamento do SUS, destacando o problema do subfinanciamento crônico do sistema e do desfinanciamento atual, com a Emenda Constitucional 95 e suas consequências nefastas para as próximas décadas; a questão da saúde mental, com muitas delegações e representações em defesa da Reforma Psiquiátrica e de uma saúde mental sem manicômios; a defesa dos direitos das minorias, dos indígenas, dos direitos das mulheres”, enumerou Ligia.
As discussões foram além da questão do acesso aos serviços de saúde, enfatizando o atual contexto político e econômico, relatou, ainda. “Estamos em um momento muito difícil de conflitos importantes, com um governo de extrema direita, ultraliberal na economia e direitos sociais e extremamente retrogrado nos costumes. E esse é o contexto de todas as políticas que estão sendo implementadas”, observou a pesquisadora.
Foi um momento de congraçamento, de debates políticos intensos, com participação de movimentos sociais e delegados de todos os estados do país, discutindo as políticas de saúde, reiterando os princípios do SUS, de um sistema público universal de qualidade, que garanta o acesso à saúde como condição de cidadania (Ligia Giovanella)
Ligia abordou ainda a agenda estratégica e política relativa à atenção primária à saúde tratada na conferência, destacando pontos como “universalidade da atenção primária, resolutiva, integral, de qualidade, territorializada e com orientação comunitária”; financiamento suficiente e equitativo; fortalecimento dos espaços de democráticos de participação social; e mediação das ações intersetoriais, incidindo na determinação social, para promover a saúde e reduzir desigualdades”. Ela chamou atenção também para a Medida Provisória 890, de 1º/8/2019, que institui o programa Médicos pelo Brasil e cria uma agência para o desenvolvimento da atenção primária à saúde, como serviço social autônomo, com figura jurídica do direito privado sem fins lucrativos para executar em âmbito nacional políticas de desenvolvimento da atenção primária à saúde. “Discutiu-se se isso é uma tendência à privatização da atenção primária no SUS, uma vez que integra representantes do setor privado no conselho diretor, tem autonomia para contratação de serviços privados para execução de políticas etc.”, relata Ligia. “Não podemos descontextualizar essa proposição política do atual contexto sombrio”.
Outra questão “grave” a respeito da medida provisória refere-se à especialização em medicina de família em dois anos, quando é necessária uma prática de quatro anos, e ao fato de se deixar de lado as residências médicas, “uma estratégia de sustentabilidade do [extinto] programa Mais Médicos”. Para Ligia, esse é um dos temas importantes do debate a ser levado à Câmara dos Deputados, com vistas a apresentação de emendas, “para enfrentar essa questão e evitar uma privatização da atenção primária no SUS”.
Mais de 5 mil brasileiros, das mais diferentes culturas e posições ideológicas, dos mais diversos lugares do país, conseguiram uma unidade que se materializou em mais de 95% de consenso nas proposições em torno da defesa da saúde como direito, da defesa da democracia, dos princípios do SUS e da necessidade de continuar a enfrentar o problema de subfinanciamento do sistema (Ronald Santos)
Para Ronald Santos, circular pela conferência levou à sensação “segurar o choro”. Ele se referiu à emoção de constatar o sucesso de um processo levado à frente nos dois últimos anos para culminar no evento nacional. “Mais de 5 mil brasileiros, das mais diferentes culturas e posições ideológicas, dos mais diversos lugares do país, conseguiram uma unidade que se materializou em mais de 95% de consenso nas proposições em torno da defesa da saúde como direito, da defesa da democracia, dos princípios do SUS e da necessidade de continuar a enfrentar o problema de subfinanciamento do sistema. É uma energia que contagiou a todos”, destaca Ronald em seu relato. “Foram milhares de pessoas participando dos 45 grupos de trabalhos, mais de 150 intervenções nas plenárias. Quem teve oportunidade de participar desse processo saiu com a sensação de ser protagonista. Fechamos a 16ª Conferência nacional de saúde colocando-a num patamar ao da 8ª. Conseguimos validar na prática o título da conferência, de 8ª + 8.