Decréscimo nas condições de trabalho e piora das condições de vida
O Governo Federal anunciou pelas redes sociais, em maio, previsão de redução de 90% nas Normas Regulamentadoras (NRs) de segurança e saúde no trabalho. As NRs começaram a ser implementadas na década de 1970, ainda no regime militar, quando o Brasil era “campeão mundial” de acidentes, como aponta o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). De lá para cá, o cenário melhorou, mas é ainda preocupante: o país ocupa o quarto lugar no ranking mundial de acidentes de trabalho.
Em entrevista a André Antunes, no site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noêmia Porto, alerta para o risco de aprofundamento da precarização das relações trabalhistas no país a partir da revisão das NRs. “É um retrocesso inadmissível qualquer esforço de revogação dessas NRs, a bem da redução dos custos de produção. A péssima posição do Brasil no ranking mundial revela que qualquer modificação nas normas deverá servir ao incremento dos patamares de segurança, e não o reverso”.
Abaixo, a íntegra da entrevista.
O IBGE divulgou na semana passada dados da PNAD Contínua que apontam aumento do número de pessoas empregadas sem carteira assinada e trabalhando por conta própria no último trimestre. Os dados também revelam crescimento do número de pessoas subocupadas e queda no rendimento médio mensal dos trabalhadores. Em que medida os dados corroboram as análises críticas à reforma trabalhista que entrou em vigor em 2017, que para muitos analistas significaria o aumento da precarização do trabalho e piora nas condições de vida dos trabalhadores?
Um dado da realidade que abala muitas convicções sobre a suposta “modernização” das relações de trabalho é o desemprego, que subiu para 12,7% em março de 2019 e atingiu 13,4 milhões de brasileiros. Trata-se da maior taxa desde o trimestre terminado em maio de 2018. Segundo o IBGE, o número de subutilizados atingiu o recorde de 28,3 milhões de pessoas. Esses desalentados formam um contingente imenso de pessoas em ocupações precárias e invisíveis para o sistema de proteção jurídica. Ainda segundo dados recentes, a economia brasileira gerou 129.601 empregos com carteira assinada em abril de 2019, de acordo com números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados em 24 de maio de 2019 pelo Ministério da Economia. Nesse número, houve a criação de 5.422 vagas de trabalho intermitente e 2.827 na modalidade de trabalho a tempo parcial. Todos esses aspectos foram apontados em nota técnica divulgada pela Anamatra, e que foi entregue ao Diretor-Geral da OIT, Guy Ryder, ao Secretário-Geral da OIT, Christian Veloz, e à Diretora do Departamento de Normas, Corine Vargha. O que se nota é o aprofundamento das desigualdades sociais, a desvalorização do trabalho humano e a maior vulnerabilidade dos trabalhadores. Os dados da nota técnica referem, dentre outros, o estudo intitulado “Futuro do trabalho no Brasil: perspectivas e diálogos tripartites”, que reúne a síntese de quatro Diálogos Nacionais realizados no país nos anos de 2016 e 2017, tanto para estimular as respectivas discussões no Brasil, quanto para contribuir com a Comissão Mundial criada pelo Diretor-Geral da OIT sobre a temática. A flexibilização do mercado de trabalho, em especial em relação à substituição do emprego formal por formas atípicas de contratação, a alta informalidade e o desemprego, foram pontos que mereceram atenção no estudo. Além das desigualdades no mercado de trabalho, os aspectos populacionais e da má distribuição da renda também foram considerados, sobretudo aqueles ligados às desigualdades educacionais, de gênero, raça, idade e local de moradia, destacando-se a maior taxa de desemprego entre os jovens. Considerando a acentuada modificação do mercado de trabalho, o estudo também apontou as dificuldades nas formas de representação dos trabalhadores e os desafios para as negociações coletivas no Brasil, especialmente pelo atual déficit de participação dos sindicatos. Portanto, até aqui, os indicadores apontam para um processo claro de empobrecimento dos salários, decréscimo nas condições de trabalho e piora das condições de vida de quem precisa do trabalho para viver.
Em 28/6/2019, o ministro do STF Gilmar Mendes determinou a suspensão de todas as ações trabalhistas no país que analisam casos de contestação de acordos coletivos que limitam ou restringem direitos trabalhistas não assegurados pela Constituição. O pedido de suspensão partiu da Confederação Nacional da Indústria (CNI) uma das entidades que mais fortemente apoiou e contribuiu com a reforma trabalhista aprovada em 2016. Como a Anamatra avalia a decisão?
De fato, em decisão de 28 de junho de 2019, admitindo a Confederação Nacional da Indústria (CNI) como amicus curiae, no Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.121633/GO, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspensão de todos os processos pendentes individuais ou coletivos, que versem sobre a questão ou tramitem no território nacional, pertinentes à validade de acordos e convenções coletivas, destacando que existe o justo receio de que as categorias sejam novamente inseridas em uma conjuntura de insegurança jurídica, com o enfraquecimento do instituto das negociações coletivas. As discussões desse processo geram preocupação, em especial nos seguintes pontos: se a autonomia negocial será considerada em patamares absolutos; se acordos e convenções coletivas de trabalho serão tratados como fenômenos meramente contratuais e numa visão antiga de contrato; se segurança jurídica será o sinônimo de aplicação irrestrita de textos em sua literalidade; e se a negociação coletiva estará dispensada de ser fonte de direitos humanos trabalhistas. Espera-se, a propósito, também em nome do diálogo tripartite, que sejam admitidos outros amicus curiae na referida ação, para que visões diversas possam ser efetivamente consideradas durante o julgamento desse importante precedente.
Até aqui, os indicadores apontam para um processo claro de empobrecimento dos salários, decréscimo nas condições de trabalho e piora das condições de vida de quem precisa do trabalho para viver.
A revisão das Normas Regulamentadoras de Saúde e Segurança no Trabalho, as NRs, está atualmente em análise pelo governo. Centrais sindicais já acenderam o sinal de alerta sobre o que a revisão pode significar em um cenário em que os direitos trabalhistas têm sido flexibilizados, e denunciam que essa discussão tem se dado ao arrepio