Fabiola Sulpino: 'É preciso investir mais em saúde pública no Brasil'
*Publicado originalmente no site Revista Construção
No Brasil, o debate sobre os principais problemas do Sistema Único de Saúde (SUS) geralmente é bastante polarizado entre os que defendem que o financiamento público é insuficiente e aqueles que dizem que o problema setorial é de gestão. Recentemente, pelo menos entre gestores e pesquisadores da saúde, tem se estabelecido consenso de que ambos os problemas comprometem o bom desempenho do sistema. Mas, aparentemente, esta compreensão está longe de ser realidade entre os que atuam na área econômica dos governos. Um dos resultados é que o debate público se perde nessa falsa dicotomia, e deixa-se de discutir a relevância do investimento em saúde para o desenvolvimento econômico e social do país.
A Comissão Macroeconômica da Organização Mundial da Saúde tem chamado atenção, desde 2001, para o fato de que, em termos econômicos, a saúde e a educação são dois pilares do capital humano, sendo que a boa saúde é insumo fundamental para a redução da pobreza, o crescimento e o desenvolvimento econômico de longo prazo. Além de contribuir para a elevação da produtividade do trabalho, o setor saúde também é relevante por sua capacidade de gerar empregos e renda. O valor adicionado bruto das atividades de saúde foi responsável por 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2013, sendo que a atividade saúde pública teve participação de 2,3% do PIB no mesmo ano.
Outro indicador que merece destaque é o multiplicador fiscal do gasto com saúde, que foi calculado em 1,7, ou seja, para um aumento do gasto com saúde de R$ 1,00, o aumento esperado do PIB seria de R$ 1,70. Este achado é corroborado por estudo internacional que analisou dados de 25 países europeus, dos Estados Unidos e do Japão, encontrando multiplicador fiscal superior a 3 para o gasto com educação e saúde.[1]
Essas são evidências sobre a relevância do setor saúde para o desenvolvimento econômico e social do país. Contudo, o esforço que o Brasil tem feito está aquém do realizado até mesmo por países latino-americanos, que não contam com um sistema universal de saúde e que são menos desenvolvidos. Em 2014, o gasto público com saúde do Brasil, em participação no PIB, foi de 3,8%, ficando abaixo dos realizados por Uruguai (6,1%), Panamá (5,9%), Colômbia (5,4%), Nicarágua (5,1%), Paraguai (4,5%), El Salvador (4,5%) e Chile (3,9%). Em termos per capita, o gasto brasileiro também se situa entre os mais baixos, tendo sido de 607 dólares internacionais no mesmo ano.
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Para agravar a situação do financiamento público, a recém aprovada Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, impõe duro regime ao congelar a aplicação mínima em saúde pelo governo federal, em termos reais, até 2036. Isso implica um orçamento anual do Ministério da Saúde de aproximadamente R$ 114,7 bilhões, em valores de 2017, por 19 anos, com redução do gasto per capita, sem considerar o rápido processo de envelhecimento da população brasileira; a insuficiência atual na oferta de bens e serviços de saúde em parte significativa do território; a pressão para a incorporação de novas tecnologias, inclusive em decorrência da judicialização da saúde; e o reduzido espaço fiscal nos demais entes da federação para alocar mais recursos na área.
Adicionam-se a esse contexto, o baixo investimento para a melhoria da gestão e a elevada rotatividade de gestores de saúde, gerando descontinuidades importantes na implementação das políticas. Em relação à gestão, as transferências do Ministério da Saúde aos estados e municípios para apoiar ações de organização e promoção da eficiência decresceram 86% entre 2007 e 2016, passando de R$ 337,6 milhões para R$ 48,1 milhões, em valores de 2016.
Paralelamente, aumenta-se o gasto tributário com saúde e discute-se a flexibilização da regulação da saúde suplementar para permitir a oferta de planos de saúde com baixa cobertura de procedimentos, o que impactará o SUS para procedimentos de alta complexidade. Esse quadro revela a falta de priorização da saúde, com consequências para a atual e as futuras gerações.
É preciso investir mais em saúde pública no país, e isso significa alocar mais recursos para o funcionamento dos serviços com qualidade, para a ampliação da oferta e a melhoria da gestão. Para começar, seria possível criar espaço fiscal com a redução do gasto tributário e dos subsídios, bem como com a diminuição dos juros da dívida pública. Tornar isso realidade não é fácil, porque o momento é de recessão econômica e a vontade política é necessária. Mas, temos que debater mais sobre a importância da saúde e sobre como financiá-la. As escolhas do passado podem estar comprometendo significativamente o desenvolvimento econômico e social de nossa nação.
Referências Bibliográficas
[1] STUCKLER, D.; BASU, S. The body economic: why austerity kills. New York: Basic Books, 2013.