Coordenadores de projetos do CEE-Fiocruz comentam o legado de Nísia Trindade: firmeza, competência e determinação na reconstrução do SUS

Coordenadores de projetos do CEE-Fiocruz comentam o legado de Nísia Trindade: firmeza, competência e determinação na reconstrução do SUS

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Primeira mulher a comandar o Ministério da Saúde, Nísia Trindade Lima foi demitida do cargo na terça-feira, 25/02/2025, pelo presidente Lula. Nísia assumiu a pasta após a maior crise sanitária do país, marcada por um clima de incerteza institucional e por uma forte campanha de descrédito da Ciência. Conseguiu, em dois anos de gestão, reconstruir um Ministério da Saúde devastado pela gestão anterior, recuperando sua capacidade técnica e política de coordenação federativa do Sistema Único de Saúde. Como ministra, conduziu o Ministério orientada pelo compromisso com o SUS, marca de sua trajetória de sanitarista.

No processo de reconstrução da pasta da Saúde, Nísia restaurou a Ciência como orientadora das tomadas de decisão; criou, retomou e fortaleceu programas e políticas; e inovou nas estratégias de condução das ações do Ministério, como observam nos comentários a seguir os coordenadores de projetos do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, sobre o legado da ministra. Eles destacam a diversidade de suas iniciativas e a conformação, nesse sentido, de um importante capital político e social.

Um dos pontos ressaltados nos comentários é a restauração do diálogo do Ministério com as estruturas de gestão e do controle social, no âmbito, respectivamente, da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e do Conselho Nacional de Saúde, entre outros fóruns.

Ao realçarem a capacidade de Nísia de dar respostas não apenas conjunturais ou emergenciais, mas estruturantes do sistema de saúde, os pesquisadores apontaram, ainda, iniciativas como a promoção do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, articulando ciência, saúde e economia, em prol da saúde dos brasileiros, reinserindo a saúde como eixo central do projeto nacional de desenvolvimento; a definição de novos marcos regulatórios para os Programas de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) e de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL); e a ênfase na transformação digital da saúde e em avanços tecnológicos voltados ao cuidado, expressos na criação da Secretaria de Informação e Saúde Digital (Seidigi).

A reestruturação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), ampliando, inclusive, a variedade de vacinas ofertadas no SUS, bem como o acordo para produção em larga escala da primeira vacina 100% nacional e de dose única contra a dengue, também mereceu destaque. Assim como o fortalecimento de programas como Farmácia Popular, Brasil Sorridente e Mais Médicos – o número de profissionais do Mais Médicos em atividade aumentou 93,83% desde o início do governo Lula (de janeiro de 2023 até junho de 2024).

Nísia constituiu, ainda, apontaram os pesquisadores, políticas nacionais, como a de Prevenção e Controle do Câncer e a de Cuidados Paliativos. Além disso, promoveu a redução das filas de espera em procedimentos especializados e reestruturou os hospitais federais, reabrindo emergências, ampliando a oferta de leitos de internação, reformando unidades e modernizado equipamentos.

Com suas ações, Nísia não se restringiu ao SUS do presente, convicta de que o país precisa assegurar sua soberania produtiva e tecnológica na área da saúde, conforme ficou escancarado durante a pandemia de Covid-19. Entre outras iniciativas, ao impulsionar investimentos maciços no CEIS, em prol do cumprimento da meta de nacionalização de 70% dos insumos médicos utilizados no SUS nos próximos dez anos, Nísia fortalece o SUS do futuro.

Como enfatizaram os pesquisadores do CEE-Fiocruz, é “a ministra do SUS”.

 

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O SUS como instrumento de decência e humanidade – Marco Nascimento, secretário executivo do CEE-Fiocruz

"É importante situar a gestão de Nísia Trindade como ministra da Saúde no tempo, pois ela assume imediatamente após ter conduzido a Fiocruz com uma rara combinação de rigor e coragem através de uma pandemia e um período de imensa incerteza institucional. Recusando-se a ser acuada pelas circunstâncias, colocou a Fiocruz onde tinha que estar, a serviço da sociedade, mesmo em meio ao obscurantismo. E, quando chega ao Ministério da Saúde, não apenas sabe o que é o SUS, ao contrário de seus antecessores recentes, mas, sobretudo, sabe o que o SUS precisa ser, e a que aspira, como instrumento de decência e humanidade, um redutor de iniquidades e promotor do desenvolvimento. Seu trabalho refletiu esse compromisso de consolidar o SUS como um pilar do desenvolvimento nacional, buscando a soberania produtiva e tecnológica na área da saúde. 

Especificamente no campo do Complexo Econômico Industrial da Saúde, é possível destacar:

Nísia retomou as reuniões do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (GCEIS), um instrumento de articulação do campo produtivo da saúde, que havia sido recentemente desativado – e que custou caro às tentativas de organização de esforço produtivo durante a pandemia – reunindo mais de vinte ministérios e instituições governamentais, além de associações empresariais e representantes da sociedade civil. Foram apresentados novos marcos regulatórios para os Programas de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) e de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL), viabilizando um salto da estratégia de transferência de tecnologias para uma nova fase de promoção da inovação em território nacional.

Foi estabelecida como meta a nacionalização de 70% dos insumos médicos utilizados no SUS nos próximos dez anos, marcando objetivamente uma linha de chegada para a redução da nossa dependência externa em setores estratégicos da saúde. A promoção do CEIS passou a figurar como a Missão 2 das seis missões que compõem a atual estratégia de industrialização brasileira, a Nova Indústria Brasil. E, desde janeiro de 2023, a ministra impulsionou investimentos robustos no CEIS, tendo sido anunciados R$ 57,4 bilhões de origem pública e privada, com destaque para o Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (Cibs/Fiocruz), voltado para a ampliação da produção de vacinas e biofármacos para o SUS, e que deve mudar não apenas a capacidade nacional de produção, mas a inserção do Brasil no panorama global de oferta de vacinas a entidades internacionais.

Todas essas iniciativas foram desenvolvidas em paralelo com uma atenção contínua às transformações digital e ecológica, bem como aos avanços tecnológicos decisivos para o Sistema Único de Saúde, como terapias avançadas e a vacina da dengue."
 

Inovações e avanços invisibilizados – Sonia Fleury (Projeto Futuros da Proteção Social/CEE)

"Agestão de Nísia, além de recuperar a inteligência do Ministério da Saúde e impactar a saúde brasileira, avançou em coisas que não foram vistas como avanços ou foram pouco divulgadas. Uma das inovações foi a ampliação do escopo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, carro-chefe do Ministério, conferindo-lhe mais robustez e peso político, ao conseguir articulação com outros órgãos governamentais e privados, por meio de uma nova estrutura de governança. Dessa forma, rompeu a ideia de que saúde é puro gasto e mostrou que saúde envolve, também, processos de desenvolvimento industrial. A pandemia nos mostrou que não tínhamos soberania sanitária, nem mesmo para termos máscara, quanto mais respiradores. Nísia deu impulso a esse tema, que, por sinal, vem sendo tratado no CEE-Fiocruz há alguns anos. Hoje essa área consegue juntar ciência, tecnologia, nova industrialização, financiamento público e articulação com o setor privado e produção de fármacos. Isso é completamente novo e muito pouco tratado pela imprensa como uma linha de articulação da saúde com a economia.

Outra ação inovadora refere-se à criação da Secretaria de Informação e Saúde Digital (Seidigi), que está conseguindo articular as diferentes bases de dados e sistemas de informação na área de Saúde, municipais, estaduais e do governo federal. Isso não se vê imediatamente, mas tem grande impacto na gestão.  Vale destacar também a telemedicina e o programa Ajudas Decisionais, produzido a partir da experiência do programa da Bireme – Segunda Opinião Formativa, voltado a apoiar tomadas de decisão pelos profissionais de saúde, em relação a tratamentos. Isso agora está sendo levado para dentro do Ministério, com viés diferente, não só para os profissionais como para os usuários do sistema de saúde.
Outra ação que deve ser enfatizada é a criação da Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP), muito necessária, tendo em vista o envelhecimento da população. Já a questão das vacinas tem sido muito abordada pela imprensa, ora porque já atingimos as metas em algumas delas, ora porque está faltando vacina e não atingimos, mas o que convém sublinhar é que Nísia recuperou o Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Destaco ainda a ampliação do programa Farmácia Popular e o enfrentamento do gargalo do tempo de espera para procedimentos de segundo nível de atenção à saúde, com o Programa Mais Acesso a Especialistas (PMAE).

É importante dizer que muitas responsabilidades atribuídas ao Ministério da Saúde, na verdade, extrapolam seus limites. Dependem de capacidade de produção, de recursos e de adesão dos estados, entre outros fatores. Enfraquecer o Ministério da Saúde, como temos observado, é um absurdo. Precisamos, sim, fortalecer não só a área do cuidado, como a ciência e a tecnologia. Cabe ressaltar, ainda, o papel fundamental que o Ministério da Saúde e instituições como a Fiocruz podem ter na relação Sul-Sul, ocupando um espaço que vem sendo deixado vazio no cenário mundial, devido ao desfinanciamento das redes globais de saúde."

Coragem e ousadia no enfrentamento de desafios – José Temporão (Projeto Doenças Crônicas e Tecnologias de Saúde/CEE)

"A ministra Nísia Trindade enfrentou três principais desafios em sua gestão: o primeiro, recuperar a credibilidade política e técnica do Ministério da Saúde; o segundo, recuperar a qualidade e a eficiência de programas construídos ao longo das últimas décadas pela saúde pública brasileira; e o terceiro, inovar e ampliar o conjunto de políticas e de projetos para a população do país. Ela enfrentou os três com coragem, ousadia e determinação. Deixou um legado e fez história na saúde brasileira."
 

Valorização do legado e inovação nas estratégias – Luiz Santini (Projeto Doenças Crônicas e Tecnologias de Saúde/CEE)

"Nísia enriqueceu a história do Ministério da Saúde com uma gestão exemplar. Enfrentou temas críticos há muito existentes com coragem e seriedade – a retomada do Programa Nacional de Imunizações (PNI), a publicação das portarias de regulamentação da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC) e da Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP), o impulso na implementação das tecnologias de informação para suporte à gestão, são alguns exemplos. Tratou todos os temas de forma a valorizar o legado do Ministério, mas inovando na estratégia e na forma de fazer. O Ministério da Saúde perde com sua saída, mas sua biografia sai engrandecida e seu legado será sempre reconhecido. A recuperação do SUS deve muito a sua atuação firme e ao mesmo tempo suave e elegante. A continuidade de seu trabalho é importante e necessária."

Um tempo de esperança e certezas na Saúde – Maria Helena Machado (Projeto Mundo do Trabalho e Saúde/CEE)

"Desde o início de 2023, vivemos um novo tempo de esperança e certezas com o Governo Lula III. Na Saúde, essa certeza e esperança chegaram pelas mãos femininas carregadas de sabedoria, competência e resiliência de Nisia Trindade, uma gestora oriunda da Fiocruz – instituição de C&T de gestão pública alicerçada em pesquisa, conhecimento, produção de insumos, assistência, tecnologia em saúde pública etc. Uma sábia mulher para comandar a pasta da Saúde, do Sistema Único de Saúde. Todas nós, mulheres, nos sentimos representadas e honradas! Nestes dois anos de gestão, Nísia e sua equipe reconstruíram o SUS, no pós-pandemia, em que gestores, trabalhadores da saúde e população se mostravam cansados e desprotegidos, no caos gerado em todas as esferas de gestão assistencial, resultado da grande crise sanitária em que se encontrava o país.

Saliento aqui, entre tantas, três ações estratégicas da gestão de Nísia: a reaproximação e restauração do diálogo e compromisso com as estruturas gerencial e do controle social, garantindo o pleno desenvolvimento desses complexos sistemas, no âmbito da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e do Conselho Nacional de Saúde, respectivamente; a reestruturação, o fortalecimento da C&T e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, impulsionando pesquisas e parcerias institucionais importantes, com vistas ao futuro do parque tecnológico da saúde; e a atenção à saúde indígena, um enfrentamento de grande magnitude e significado simbólico, que exige sabedoria, resiliência, diálogo e cooperação, para reconstrução da rede de assistência indígena por meio dos DSEIs, Casais e Polos regionais.  A gestão de Nísia Trindade e sua equipe deixou sua marca de compromisso e determinação na reconstrução do SUS, um patrimônio do povo brasileiro. Nossa Gratidão!"

 

Um símbolo de resistência e esperança pela saúde pública – Manoel Barral, professor e pesquisador (Projeto Saúde Pública de Precisão/CEE)

"Nísia é um nome emblemático na saúde pública brasileira. É reconhecida nacional e internacionalmente por sua gestão técnica, ética e comprometida com a universalização da saúde. Sua trajetória como socióloga, pesquisadora no campo da Saúde e na defesa intransigente ao SUS é extremamente importante. Nísia enfrentou, como primeira presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o período da pandemia de Covid-19, com um Ministério da Saúde alheio aos princípios da ciência. Nesse período, teve a capacidade de desenvolver ações fundamentais, como a produção nacional da vacina contra o coronavírus e a participação em estudos internacionais que avançassem no conhecimento da doença.

À frente do Ministério da Saúde, Nísia conduziu uma gestão voltada à reconstrução das políticas públicas destruídas pelo governo anterior. Além disso, trabalhou pela revitalização do SUS, pelo combate às desigualdades e pela implementação de inovações, de políticas de sustentabilidade e pelo fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, bem como reforçou o papel da vigilância de forma integrada, destacando a importância da saúde digital, com uma secretaria específica, no período em que esteve no Ministério.

O legado de Nísia é sólido. Ela deixa um SUS mais fortalecido. Muito mais do que uma gestora, é na verdade um símbolo de resistência e esperança pela saúde pública, com competência e sensibilidade, e reafirma o papel do Estado na garantia dos direitos, provando que ciência e equidade não são opcionais, são pilares para uma sociedade mais justa."

 

O retorno da prioridade à Estratégia Saúde da Família – Ligia Giovanella (Projeto Atenção Primária na Rede SUS/CEE)

"Nísia Trindade fez uma gestão competente voltada para a reconstrução do Sistema Único de Saúde. Conduziu o Ministério da Saúde com ciência, firmeza e delicadeza. Foi a ministra do SUS. Nísia restaurou a ciência como orientadora das tomadas de decisão, ciência abandonada por um governo negacionista, que levou à morte 700 mil brasileiros; retomou o diálogo e a gestão tripartite na condução do SUS, com decisão compartilhada com estados e municípios, Conass e Conasems; retomou a gestão participativa no Conselho Nacional de Saúde, com a realização da 17ª Conferência Nacional de Saúde, vibrante, diversa e popular.

Quero destacar iniciativas na Atenção Primária à Saúde, meu campo de estudo. Nísia devolveu a prioridade à Estratégia Saúde da Família – esse modelo virtuoso, efetivo de APS, que havia sido abolido –, com novo financiamento, que transfere mais recursos às equipes; recriou as equipes multiprofissionais, tão importantes para aumentar a efetividade da APS; realizou o Censo Nacional das Unidades Básicas de Saúde, com resposta das 45 mil unidades ativas no país e resultados que estão orientando investimentos em infraestrutura, equipamentos e educação permanente; retomou o financiamento das equipes de saúde bucal, sem novas habilitações há anos!

Nísia fortaleceu a política do Mais Médicos, com mais de 25mil médicos atuando no país, preenchendo vazios assistenciais, com a marca Mais Saúde da Família; fortaleceu o Programa Nacional de Imunizações (PNI) e recuperou coberturas vacinais; criou a primeira Política Nacional de Atenção Especializada, que já reduziu tempos de espera para cirurgias eletivas e que, se bem integrada à APS, promoverá um salto de qualidade e de acesso oportuno no SUS...

Não farei um inventário de todos os avanços. Quis destacar algumas iniciativas exitosas na APS e na consolidação do SUS público, universal, de qualidade. E agradecer: obrigada, Nísia Trindade."

 

Enfrentamento a um processo de demolição do Ministério da Saúde – Gustavo Matta (Núcleo Interdisciplinar sobre Emergências em Saúde Pública (Niesp)/CEE

"O primeiro ponto a destacar é, de fato, o trabalho de reconstrução do Ministério da Saúde realizado por Nísia Trindade e sua equipe. Uma reconstrução necessária, por conta não só do que vivemos na gestão anterior, mas que temos vivido desde 2016, com impeachment da presidenta Dilma, no governo Temer, e os diversos ministros que passaram por lá, durante esse período. Esse processo de demolição, de desvio do norte do Ministério da Saúde, é enfrentado por Nísia, em vários aspectos.

O primeiro, e mais importante, é a reestruturação das áreas técnicas, com o Ministério voltando a orientar as políticas de saúde em nível nacional, especialmente na Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVS), no monitoramento, avaliação das ações e também na vacinação. Nísia mudou a visão campanhista da vacinação – um modelo já desgastado –, fazendo a relação da vigilância com a atenção à saúde, uma abordagem mais transversal, capilar.

Outro ponto, não menos importante, é a gestão participativa. Nísia teve a capacidade de reconstruir conselhos, comitês e sua relação com o Conselho Nacional de Saúde, sempre mostrando um respeito pela participação social e pela gestão tripartite do SUS. Apontou para um caminho estruturante, e não conjuntural, do sistema, reestruturando processos, reorganizando alinhamentos e articulações com a sociedade civil e com as três esferas de governo.

Chamo atenção também para a retomada do programa Mais Médicos e para sua relação, principalmente na atenção primária, com as condicionalidades do Bolsa Família, com aprimoramento desses elementos. A Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (Sgets) ganhou novo fôlego, com um olhar estratégico para o SUS e a retomada de uma série de ações que também haviam sido abandonadas ou descaracterizadas.

Mais um ponto a destacar – objeto de artigo que irei publicar – é que o Ministério da Saúde, desde 2013, não mostrava tanta capacidade de estruturação de políticas, de investimento e de apresentação de resultados, como na gestão de Nísia. Podemos observar isso na Estratégia Saúde da Família, na retomada das coberturas vacinais, nos processos de formação profissional, e no próprio orçamento do Ministério.

É preciso mencionar também a capacidade de articulação de Nísia com os outros ministérios, em especial, os ministérios das Mulheres, da Igualdade Racial, da Cultura, trazendo uma perspectiva intersetorial, com uma agenda de governo e chamando atenção aos ministérios chefiados por mulheres. Nesses ministérios, Nísia constituiu um capital político e um capital social muito importante para qualquer governo e para qualquer projeto que pense não em um projeto de governo, mas em um projeto de Estado, estruturante."

 

Resiliência do SUS como pilar intrínseco do sistema – Alessandro Jatobá (Projeto Tecnologia, Informação e Resiliência em Saúde Pública (ResiliSUS)/CEE 

"Nísia Trindade recebeu a missão mais desafiadora do Governo Lula III: reconstruir o Ministério da Saúde no contexto pós-pandemia de Covid-19. Enfrentou essa tarefa com coragem, iniciativa e liderança excepcionais, reconhecendo desde o início a necessidade de transformar a resiliência do SUS em um pilar intrínseco do sistema. Sua visão priorizou não apenas recuperar a capacidade de resposta a crises sanitárias de grande escala, mas assegurar a sustentação de serviços essenciais universais, integrais e de qualidade – mesmo sob pressões extraordinárias. Esse compromisso materializou-se em ações concretas. Durante a catástrofe climática no Rio Grande do Sul, por exemplo, o SUS demonstrou agilidade ao garantir assistência em meio ao caos.

Além de respostas emergenciais, o legado de Nísia inclui iniciativas estruturais de longo prazo como a recuperação histórica da cobertura vacinal, revertendo o colapso pós-pandemia; a retomada estratégica do Programa Mais Médicos, combatendo desigualdades regionais; o fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS); a reinserção da saúde como eixo central do projeto nacional de desenvolvimento; a expansão e qualificação da atenção ambulatorial especializada, focada na integração do sistema; a política de cuidados paliativos; a Rede Alyne para diminuir a violência obstétrica e a morte materna; as iniciativas inéditas no âmbito da saúde digital, que ganhou uma Secretaria.

Sob sua gestão, o SUS consolidou-se como um sistema que aprende com as crises e age proativamente para mitigá-las. Ao integrar preparação para emergências, atenção primária robusta e políticas industriais inovadoras, Nísia pavimentou um caminho em que a técnica e o compromisso social se reforçam mutuamente. Seu maior legado talvez seja lembrar que a saúde pública é, antes de tudo, um projeto de soberania." 
 

Reconstrução da capacidade de coordenação federativa do Ministério da Saúde – Assis Mafort – Projeto Gestão Federativa do SUS/Observatório Estadual do SUS/CEE

"O grande legado da Ministra Nísia Trindade foi conduzir com muita habilidade política, capacidade técnica e legitimidade, o processo de reconstrução da estrutura, das áreas técnicas e da capacidade de coordenação federativa do Ministério da Saúde, após a militarização explícita, ocorrida na pandemia de Covid-19, e uma década de desmonte do SUS.

Portanto, em dois anos de gestão, ela empreendeu um amplo conjunto de reformas importantes da pasta, das quais podemos destacar, a recomposição do diálogo com Conass e Conasems, reafirmando a centralidade do pacto tripartite para o SUS; a reabilitação e valorização das áreas técnicas do Ministério da Saúde, com a incorporação de quadros jovens, muitos deles vindos de estados e municípios; a normalização dos fluxos de transferência de recursos financeiros federais para estados e municípios; a criação da Secretaria de Informação e Saúde Digital, visando conduzir a transição do SUS para os ambientes virtuais de aproximação e diálogo com os cidadãos usuários do SUS; a reconstrução do Programa Nacional de Imunização, após desmonte ocorrido no governo anterior, reafirmando o compromisso do Ministério da Saúde com a ciência; a aprovação da nova Política Nacional de Atenção Especializada em Saúde (Pnaes), a partir de amplo processo de elaboração conjunta com estados, municípios e academia; a qualificação do financiamento e da organização da atenção primária, com a edição das portarias de incentivo financeiro federal de implantação, custeio e desempenho das equipes Multiprofissionais na Atenção Primária à Saúde (Portaria GM/MS Nº 635/2023) e de instituição da nova metodologia de cofinanciamento federal do Piso de Atenção Primária à Saúde (Portaria GM/MS Nº 3.493); e a reconstrução de políticas e programas tradicionais do Ministério da Saúde como Farmácia Popular, Brasil Sorridente, Mais Médicos, entre outros.

Em síntese, a grande contribuição, em apenas dois anos de gestão, e com muitas pressões políticas e restrições fiscais, foi recolocar o Ministério da Saúde em sua posição de coordenador nacional do SUS."
 

Compromisso de fazer da saúde um bem público, o direito do cidadão, um dever do Estado – Paulo Amarante

"No meu entendimento, a gestão de Nísia Trindade no Ministério da Saúde demarca um momento importante de retorno de uma política de saúde efetivamente voltada para a população, democrática, com compromissos sociais, com o compromisso de fazer da saúde um bem público, o direito do cidadão, um dever do Estado. Algo que já se havia perdido há alguns anos, especialmente no sentido de uma postura obscurantista, negacionista que se vinha tendo, por um lado, e outra de fazer do Ministério da Saúde, pelo orçamento do SUS, o peso da saúde.

Não é à toa que o CEBES- Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, quando apresentou a proposta do SUS, com um documento intitulado A Questão Democrática na Área da Saúde, em outubro de 79, no primeiro simpósio de política de saúde da Câmara dos Deputados, ressaltou: saúde é democracia; saúde é direito; é participação; é bem-estar; é redistribuição de bens, de acessos a todas as políticas como um todo, não apenas de prestação de assistência médica.

Então a saúde é, de fato, uma ruptura, quando pensamos a saúde nesse sentido de direito, saúde como bem. E eu acho que é isso que retorna ao no Ministério da Saúde, a vinculação histórica de Nísia com a Fundação Oswaldo Cruz, um dos locais onde se mais defendeu, consolidou, desenvolveu as políticas de saúde do SUS."