Conter os impactos das mudanças climáticas no Brasil exige preservação da Amazônia e investimento em ciência
Publicado na SBPC
Para conter os efeitos das mudanças climáticas no Brasil é necessário um conjunto de políticas públicas que envolvam a preservação da Amazônia, o reconhecimento e proteção ambiental dos oceanos e zonas costeiras, além de investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação, além de adaptar o país ao novo clima. Estes foram alguns dos principais pontos debatidos no 10⁰ seminário da série “Projeto para um Brasil Novo”, realizado na noite da última quarta-feira (08) e transmitido pelo canal do YouTube da SBPC.
A discussão foi coordenada pelo professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Paulo Artaxo, e contou com a participação de Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP), e que trabalhou muitos anos no INPE; Moacyr Araújo, coordenador da Rede Clima do MCTI, e vice-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Suzana Kahn Ribeiro, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e vice-diretora do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe/UFRJ); e Thelma Krug, vice-presidente do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima), e ex-pesquisadora do INPE.
Na abertura dos debates, Artaxo destacou a importância de agir urgentemente sobre as mudanças climáticas. “Esse é um tema mais do que estratégico para o País, porque sem um clima estável, que forneça os serviços ecossistêmicos que precisamos, a economia brasileira, baseada no agronegócio, pode não ter sucesso nas próximas décadas. O Brasil tem boas oportunidades no enfrentamento das mudanças climáticas, que estão sendo desperdiçadas por políticas erradas”. O pesquisador acrescentou que “os eventos climáticos extremos estão nos atingindo em cheio, e o País está totalmente despreparado para proteger as populações vulneráveis.”
Iniciando a discussão, o professor Moacyr Araújo, trouxe um olhar para a Amazônia Azul, uma área marinha com 4,5 milhões de km². “Nós temos a nossa Amazônia Verde, mas temos também a Amazônia Azul, que tem uma área da mesma magnitude que a verde, mas é menos conhecida. E essa Amazônia Azul merece atenção. Para se ter uma ideia, 20% do nosso PIB (Produto Interno Bruto) passa pela economia do mar, o que representa aproximadamente R$ 2 trilhões.”
Araújo listou 16 ações prioritárias para o primeiro ano do próximo Governo Federal, visando a preservação dos oceanos e das zonas costeiras. Entre as principais medidas que precisam ser efetuadas, estão a aprovação do projeto de lei nº 6.969/2013, que institui a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro, conhecido popularmente como Lei do Mar; a retirada definitiva da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nº 39/2011, que propõe a extinção dos terrenos de marinha; vetar a expansão da exploração de petróleo e gás offshore em áreas de reconhecida sensibilidade ambiental; e reforçar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), com a criação de mais unidades de conservação costeiras e marinhas.
Carlos Nobre, trouxe ao debate considerações do Painel Científico para a Amazônia (SPA), uma iniciativa criada em 2019 para combater a emergência climática e, consequentemente, a emergência amazônica, além de discutir caminhos de sustentabilidade para a Amazônia.
“O que nós precisamos fazer para combater a emergência amazônica? A primeira conclusão do SPA diz: Temos que ter uma moratória do desmatamento, da degradação e do fogo em todo o sul da Amazônia imediatamente. Quando a gente olha a Amazônia, observamos que desde o Peru, Bolívia, Acre, Rondônia, sul do Amazonas, norte do Mato Grosso e sul do Pará, ou seja, uma área de 2,3 milhões de km², é uma enorme região com maior índice de desmatamentos, e inúmeros estudos mostraram que essa região passou por uma transformação climática muito forte e está muito próxima de um ponto de não-retorno”, enfatizou.
Para se ter uma ideia, a estação seca nessa região ficou cinco semanas mais longa desde o ano de 1979. Esses períodos secos tradicionalmente ocorriam uma vez a cada 15 a 20 anos, mas nos últimos 20 anos já ocorreram quatro vezes. O cenário se agrava ao considerarmos que as espécies da Amazônia não são resilientes ao fogo e que essa grande transformação climática trouxe um aumento também na mortalidade das árvores.
Nobre também trouxe as outras três considerações apontadas pelo Painel Científico para a Amazônia que visam o controle das mudanças climáticas: zerar todo o desmatamento, degradação e fogo em toda a floresta até 2030; aplicação de políticas amplas de restauração, reflorestamento e regeneração do sul da Amazônia; e a necessidade de criação de uma nova bioeconomia na região, com florestas em pé.
Brasil se compromete em reduzir a emissão de gases, mas não diz como fará isso
A vice-presidente do IPCC, Thelma Krug, trouxe em sua fala diversos acordos internacionais que o Brasil firmou, se comprometendo a reduzir os gases do efeito estufa, como o Acordo de Paris, a os compromissos assinados na COP-26. Entretanto, mesmo com o comprometimento no papel, o País não vem cumprindo as metas firmadas e, também, não detalha como vai cumpri-las futuramente. “Não existe uma posição clara do Brasil em como ele vai atingir as metas internacionais para redução de gases poluentes”, alertou.
Krug também criticou o retrocesso que o País vive em suas políticas ambientais. “Nós tivemos políticas públicas importantes, como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento, e essas ações nos levaram a uma redução de 82% no desmatamento de 2003 a 2013. Mas de 2014 a 2018, tivemos um incremento de 50% com relação a essa redução. E de 2018 a 2021, um aumento de 73%. Nesse atual governo, nós praticamente dobramos a área desmatada na Amazônia.” Isso reflete uma política que vai na direção contrária aos compromissos do País.
Professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Suzana Kahn Ribeiro complementou o discurso de Krug ao apontar que, enquanto o desmatamento cresceu, a principal medida para controle das mudanças climáticas no Brasil caiu: o investimento em CT&I. “Como essa série de palestras da SBPC é para um novo Brasil, eu não vejo como possamos ter um novo Brasil sem investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação. Essa é a melhor forma da gente enfrentar as mudanças climáticas.”
Ribeiro concluiu que, além de retroceder décadas nas políticas ambientais, o Brasil também não tem acompanhado os debates e as medidas internacionais sobre o tema, perdendo o protagonismo internacional que tínhamos. Conforme apontou, o número de investimentos nas áreas cruciais à inovação tecnológica climática aumentou dez vezes entre 2013 e 2018 no mundo. Mas no Brasil, no mesmo período, os investimentos na área de P&D (Pesquisa & Desenvolvimento) caíram 37%, ou seja, foram na contramão do mundo. Deixar de investir na inteligência brasileira é nos condenar ao subdesenvolvimento. “Isso é inadmissível. A gente está na era do conhecimento, da economia desmaterializada, da alta tecnologia, e não investimos naquilo que poderá realmente nos levar ao desenvolvimento do País.”
Série visa ao comprometimento político com a ciência
Criada pela SBPC, a série “Projeto para um Brasil Novo” tem como objetivo formular um documento com compromissos que devem ser firmados por políticos em prol do desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Informação no País.
Os próximos assuntos a serem abordados são: “Questão indígena” e “Cultura”. O primeiro seminário refletiu sobre “Ciência, Tecnologia e Inovação”, o segundo “Educação básica”, o terceiro, “Educação superior”, o quarto, “Pós-graduação”; o quinto tratou do tema “Saúde”, o sexto trouxe apontamentos acerca do “Meio Ambiente”, o sétimo sobre “Direitos Humanos”, o oitavo sobre “Segurança Pública” e o nono acerca da “Diversidade de gênero e raça“.
Confira aqui o último seminário realizado, sobre “Mudanças climáticas”
Rafael Revadam – Jornal da Ciência
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