Rômulo Paes: ‘Precisamos de um legado institucional compatível com a relevância do que vivemos com a pandemia’

Rômulo Paes: ‘Precisamos de um legado institucional compatível com a relevância do que vivemos com a pandemia’

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“Um fenômeno sanitário com impacto tão grande na dinâmica econômica, social e política tende a ter repercussões na vida das pessoas por um período muito largo”, avalia o epidemiologista Rômulo Paes, pesquisador da Fiocruz Minas, no CEE Podcast, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho. 

Rômulo que também é coordenador do Grupo de Pesquisa em Sistemas de Saúde e Proteção Social da Fiocruz e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), faz uma análise do cenário epidemiológico brasileiro, destacando os impactos econômicos, sociais e políticos da pandemia de Covid-19. 

Ele vê um “horizonte mais favorável”, no que diz respeito à pandemia, em que “teríamos uma transição para um processo de endemização, isto é, uma doença mantida ainda com sazonalidade, mas manejável”, conforme explica.   “Há uma visão otimista, sobretudo, dos países da Europa, de que a variante Ômicron, pela velocidade com que se dissemina, pode gerar um nível de imunidade alta, isso, combinado, obviamente, com vacinação em grandes coberturas”, destaca. 

Ainda de acordo com o pesquisador, embora a crise sanitária tenha exacerbado mazelas persistentes em nossa sociedade, como as desigualdades e a precarização do trabalho, outras tendências, como a regulamentação da telemedicina, foram aceleradas, tendendo a permanecer, e alterando de forma definitiva o acesso à saúde na nossa sociedade. “Mesmo com as barreiras que a telemedicina enfrentou para se estabelecer como prática regular no Brasil, em relação ao modelo de precificação, à legislação, e à atitude dos próprios órgãos que regulam a prática médica, e que também criavam obstáculo a esse uso tecnológico, isso tende a se alterar de forma definitiva”, considera.

Ao analisar o cenário econômico e as expectativas possíveis para o Brasil em 2022, Rômulo destacou os impactos da crise, explicando que já havia um declínio econômico anterior à pandemia, mas que se agrava durante a crise sanitária. “É bom lembrar que, em 2020, quando a pandemia aportava no Brasil, no primeiro trimestre, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no país foi medíocre, isto é, já tínhamos uma peformace econômica ruim”, diz. “Agora, temos uma expectativa para o mundo de um PIB em 4.2%, e para o Brasil, de 0,29%, o que é um percentual muito pequeno”, avalia.

De acordo com o pesquisador, o cenário é desafiador, pois temos atualmente uma dívida pública muito alta, o que gera limitação grande em termos de investimento, e poucas oportunidades de emprego para a população. “Uma realidade diferente da de outros lugares do mundo”, aponta. 

Em relação ao papel da ciência e da tecnologia em meio a políticas de austeridade, Rômulo observa que esses setores aparecem como a grande ferramenta para o enfrentamento da crise, mas “atravessada pelo debate político o tempo todo”. Conforme observa, enquanto no mundo “houve um investimento considerável”, no Brasil, logo após o primeiro ano da pandemia, houve desinvestimento em relação às atividades científicas “e a ciência acabou sofrendo bastante”.

O epidemiologista lembra, ainda, que houve certo investimento político contrário às medidas de prevenção, e, nesse sentido, provocou muito ruído na comunicação necessária para a prevenção da Covid-19. “De certa forma, temos, por um lado, aumento da relevância da ciência, mas, por outro, uma certa vulnerabilização da atividade científica por conta do debate político provocado, principalmente, por liderança do governo Federal”.

Mesmo diante desse cenário, avalia o pesquisador, a ciência aparece no país como a grande provocadora de mudanças tecnológicas, gerando forte impacto na economia. “Grande parte das pessoas mais ricas do mundo ficaram ainda mais ricas, em função de aproveitarem as oportunidades trazidas pela pandemia, sobretudo, quando isso envolve o uso intensivo de tecnologias, seja para produção de vacinas, seja no comércio eletrônico, ou, para a produção de novas soluções e necessidades urgentes do planeta”, destaca. 

Rômulo faz menção à importância da criação do Ministério da Saúde, constituído dez anos após a pandemia da gripe espanhola de 1918. Para ele, precisamos de um legado institucional do tamanho da experiência que tem sido para nós a pandemia do Covid-19, e é preciso nos prepararmos para pandemias futuras. “Infelizmente, não estamos vendo esse debate de forma organizada, mas ele está ocorrendo, no nível estadual, municipal, na sociedade civil, ou na academia”, aponta o epidemiologista, alertando para importância de uma ação coordenada no país. “Seria muito importante que começássemos a reagir como um país coordenado e organizado. Como um país que tem muita competência instalada, e o SUS é uma dessas competências. Agora, precisamos de uma resposta histórica para o futuro, que seja compatível com a relevância dessa vivencia”, concluiu.