Qualidade dos produtos em Saúde: a quem isso importa? – por Jorge Bermudez
Causa impacto tomar conhecimento, pela imprensa, que o atual Ministro da Saúde acaba de publicar a Portaria 2.894/2018 no dia 13 de setembro, simplesmente revogando a obrigatoriedade de que as compras e licitações públicas de medicamentos para o SUS sejam feitas de empresas, nacionais e estrangeiras, que tenham atualizado o Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF). Ao revogar o Inciso III do Artigo 5 da Portaria 2.814/1998, acaba com uma prática que vem se repetindo há vinte anos, a exigência de que as empresas vencedoras numa licitação tenham que apresentar “III - Certificado de Boas Práticas de Fabricação e Controle por linha de produção/produtos, emitido pela Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde”. Notemos que a Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde foi substituída pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que vem sendo considerada de excelência nos processos de licenciamento e equiparada às melhores agências em nível mundial. Requisitos de comprovação da qualidade dos produtos trazem segurança para a população e deveriam acarretar confiança para os gestores.
Isso tudo é jogado por terra ao ignorar a necessidade de rigor na regulação sanitária e colocar o Brasil na beira de um processo de desregulamentação e liberalidade total e irresponsável, como já se tentou no passado com o “Projeto Inovar” da era Collor. Causa mais espanto verificar que pode não se tratar de uma iniciativa isolada, mas de um processo radical de privatização e desregulamentação, que incluiria o Deferimento sumário de patentes pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), as compras de produtos para o SUS sem CBPF, a eliminação dos blocos de financiamento para o gestor municipal, a extinção do Programa Farmácia Popular (rede própria e Aqui tem Farmácia Popular) e quem sabe outras medidas que estejam sendo gestadas ao apagar das luzes de um governo claudicante, mas com um objetivo que fica cada vez mais claro, o de sepultar nossa capacitação tecnológica, nossa soberania, nossa altivez e nosso respeito perante a comunidade internacional. Evidentemente que uma pletora de ações, a começar pela Emenda Constitucional (EC 95) congelando o teto de gastos por vinte anos joga por terra toda uma estratégia de desenvolvimento social e econômico, revogando as conquistas sociais recentes e passadas e fazendo retroceder nosso futuro como país em desenvolvimento com capacidade de inovação. Será que o Brasil passará a ser reconhecido como um país que perdeu sua capacidade de inovar nos campos sociais, científicos e tecnológicos, apenas inovando nas políticas liberais, neoliberais e ultraliberais de redução da capacidade de intervenção do Estado, jogando às forças de mercado os produtos que interesse disponibilizar a populações já sofridas pela volta ao Mapa da Fome?
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ou Agenda 2030, que 193 Estados Membros da ONU unanimamente adotaram, coloca claramente no enunciado do Objetivo 3 (Assegurar vidas saudáveis e promover o bem-estar de todos em todas as idades): “Atingir a cobertura universal de saúde, incluindo a proteção do risco financeiro, o acesso a serviços de saúde essenciais de qualidade e o acesso a medicamentos e vacinas essenciais para todos de forma segura, eficaz, de qualidade e a preços acessíveis”.
Colocar como obrigatória a apresentação do CBPF nas compras públicas de medicamentos é uma maneira de assegurar à nossa população que o Ministério da Saúde pretende cumprir com requisitos de qualidade homologados mundialmente. Afinal de contas, a obtenção desse Certificado e sua renovação obedecem a um processo em que a empresa é inspecionada e comprova que atende a requisitos de qualidade, de fluxos e de produção e documentação consagrados mundialmente e que fazem parte de nosso arcabouço legal sanitário. Se a equipe do atual Ministério da Saúde, cabendo lembrar que em sua maioria absoluta não tem conhecimentos nem experiência no campo da Saúde, considera que podem comprar medicamentos sem o CBPF, estarão jogando pelo ralo recursos financeiros que precisam ser monitorados pelo nosso controle social e, mais grave do que isso, estarão sujeitando nossa população ao consumo de produtos de qualidade duvidosa e apenas sujeitos às forças de mercado.
Entretanto, quando falamos na qualidade dos produtos em Saúde: que importa isso para o atual governo?
*Jorge Bermudez, Pesquisador da ENSP/Fiocruz, Membro do Painel de Alto Nível do Secretário-geral das Nações Unidas em Acesso a Medicamentos