Projeto Enfrenta: ciclo de webinários discute a desinformação na ciência e medidas de combate e prevenção

Projeto Enfrenta: ciclo de webinários discute a desinformação na ciência e medidas de combate e prevenção

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A desinformação como ameaça não só à ciência como à democracia estará em pauta nos webinários que tiveram início em 8/8/2023 no Projeto Enfrenta, iniciativa da Academia de Ciências da Bahia (ACB) e Fundação Conrad Wessel (FCW). Estão programados cinco debates (confira no final), reunindo especialistas na busca de se compreender – para enfrentar – os fatores condicionantes da produção e circulação de informações erradas ou distorcidas.

O primeiro debate teve como tema Visão e ações do Executivo e Legislativo no tema da desinformação científica, com participação do pesquisador da UFMG Leonardo Avritzer, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), à frente do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação da universidade; o secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação do Governo Federal, João Brant; a secretária Ethel Maciel, à frente da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) do Ministério da Saúde; e o deputado federal Orlando Silva (PcdoB-SP), com moderação do pesquisador da Fiocruz Bahia e do CEE-Fiocruz e presidente da ACB, Manoel Barral.

“As informações distorcidas abalam a comunicação social da ciência. Isso está na raiz da polarização social que vivemos não só no Brasil, mas em nível global. Esse processo ameaça a democracia e faz com que tenhamos uma situação perigosa não somente na ciência”, observou Barral, acrescentando que o enfrentamento a esse cenário envolve aspectos diversos, aí incluídos os educacionais. “Não podemos continuar formando cientistas super técnicos, mas sem o entendimento de que a ciência tem um aspecto social. Um projeto desse tipo não resolve o problema, mas mobiliza”, considerou.

Em sua exposição, Leonardo Avritzer buscou analisar por que a desinformação ameaça tanto a democracia. Citando o sociólogo alemão Jürgen Habermas, Avritzer observou que a democracia tem uma dependência estrutural da opinião pública. “Gostamos de considerar que a democracia é um sistema consolidado, mas ela tem pouco mais de cem anos. E conseguimos criar, nos últimos cem anos, uma coincidência fundamental entre o que a democracia é e o que o cidadão pensa da democracia. Esse é um sistema que decide quem vai governar, porque o cidadão aceita o resultado da eleição e aceita que quem governa pode determinar as políticas públicas. Essa interseção que sustenta a democracia é agora colocada em questão pela desinformação”, explicou.

Como exemplo, o pesquisador citou dado do Instituto da Democracia de que mais da metade dos brasileiros ouvidos nos primeiros meses da pandemia de Covid-19 disseram acreditar que os hospitais recebiam dinheiro para declarar maior número de mortes pela doença e que a pandemia havia sido criada pelo governo chinês. “Essas questões, aparentemente menores, afetam o fundamento da ordem democrática”, destacou, lembrando também a filósofa Hanna Arendt, para afirmar que a política sempre envolveu mentiras, mas podendo-se contar com a ciência para esclarecer, o que já não vemos hoje. “O fenômeno hoje é que a política determina a mentira na ciência. Uma mudança em certa correlação de forças que é preciso discutir”.

Avritzer observou que estamos nos deparando com “alguma coisa nova, uma rejeição forte da racionalidade em todos os campos, uma novidade em relação à ordem política criada, pelo menos, desde a Revolução Francesa”. Conforme analisa, o antirracionalismo presente na Modernidade de forma subordinada, até então, torna-se central agora, movendo multidões e dividindo as sociedades políticas. “Vivemos um momento em que democracia e ciência nunca estiveram tão conectadas. O ataque à ciência, hoje, é um ataque à democracia, e vice-versa”.

João Brant apontou características positivas e negativas da mudança observada nos últimos quinze anos “na organização do ambiente informacional”, com a popularização dos smart phones e o crescimento das plataformas digitais, “reorganizando nossa sociabilidade e nosso espaço de troca e circulação de informação”. Se por um lado, observou, ampliou-se a participação, com mais atores propagando mais ideias em circulação para mais pessoas, tem-se, por outro, “a externalidade negativa do modelo de negócio das plataformas, controlado por programadores e engenheiros, que buscam o engajamento máximo a todo custo”.

Para João, “é como se estivéssemos largando todo um contrato social que nos organiza como sociedade e passássemos a mobilizar os afetos humanos como força motriz do ambiente informacional”, um modelo que abre espaço à ação estratégica de atores pouco responsáveis e comprometidos. “Se o problema é estrutural e relaciona-se ao modelo de negócio das plataformas, precisamos alcançar um marco legal que busque reverter um pouco esse processo”, defendeu, citando o Projeto de Lei 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. “O PL 2630, a partir de contribuições do Executivo e de outros atores, tenta enfrentar o que se consideram riscos sistêmicos e o que merece um dever de cuidado, como a saúde pública e as infrações sanitárias”.

A regulação, destacou o secretário, pode fortalecer a lógica da liberdade de expressão dos usuários, ao ampliar a transparência, e, ao mesmo tempo, conter os efeitos negativos do modelo de negócios em vigor, bem como promover uma discussão sobre a responsabilidade das plataformas.

Ethel Maciel apresentou as estratégias do Ministério da Saúde no enfrentamento da desinformação, como o lançamento, em fevereiro de 2023, da primeira campanha de ampliação da vacinação no país. “Uma mudança significativa do discurso, naquele momento”, lembra, citando também a recuperação do personagem Zé Gotinha como símbolo da vacinação no país, presente em grandes eventos como a abertura do carnaval no Rio de Janeiro.

Entre os eixos que vêm orientando o trabalho em curso, a secretária citou o monitoramento e diagnóstico do cenário, treinamento e capacitação em imunização, ações voltadas à comunicação e desinfodemia e microplanejamento e ações de imunização, voltados às particularidades de estados e municípios, de acordo com o panorama de vacinação de cada local. “Em 2023, vamos vacinar contra influenza a região Norte em novembro, adotando novas estratégias com base em nossas evidências científicas”, citou.

Em relação, especificamente às ações de comunicação, Ethel Maciel citou reunião realizada em Brasília, com especialistas em informação/desinformação, com vistas, entre outros pontos, à formação de profissionais que atuam na ponta, lidando com a população, como os agentes comunitários de saúde. Vêm sendo propostas, ainda, parcerias com associações médicas e conselhos da área da Saúde, bem como diálogo com os setores de Responsabilidade Social dos grupos Google, Meta, Amazon, Tik Tok e Kwai. Conforme anunciou a secretária, ainda, serão incluídos no Inquérito Nacional para avaliação da dimensão da pandemia de Covid-19 (EpiCovid 2.0) questões sobre desinformação, entre outras iniciativas.

Já o deputado Orlando Silva abriu sua exposição com o alerta: “Estamos no meio de uma batalha. Não haverá soluções mágicas para enfrentar a desinformação no mundo de hoje”, disse. “Se pararmos para avaliar o impacto da inteligência artificial em nossas vidas, a discussão sobre desinformação pode ganhar outra escala”, considerou.

Conforme observou, a desinformação não é fenômeno novo, mas “a eficácia das narrativas”, hoje, é inédita. “As redes sociais sabem hoje o que será a minha necessidade amanhã, a partir da reunião de informações sobre meus hábitos de vida e consumo e das pessoas com quem interajo. Imagine a potência que se tem para dirigir de modo personalizado uma mensagem”, avaliou, considerando, ao lado de uma “dimensão política” nesse cenário, uma dimensão econômica, primordialmente. “Há negócios que se estruturam a partir daí”.

Um exemplo, lembrou, foi a campanha de desinformação sobre as vacinas. “Foi funcional para muitos negócios; muitos ganharam dinheiro vendendo o medicamento paralelo ao que seria adequado. As informações pessoais coletadas e tratadas oferecem campo fértil para estruturação desses negócios”. O impacto sobre a democracia é “nutrido” pela dinâmica econômica.

Para o deputado, no enfrentamento desse cenário, não há horizonte sem a cooperação internacional. Ele destaca que as Nações Unidas e a Unesco “começam a se mover” e que o presidente Lula introduziu o tema na agenda diplomática. “Há que se estruturar uma estratégia global. Isso muda completamente a qualidade do enfrentamento”.

Orlando Silva defendeu que o país avance na aprovação do PL 2630 e a importância de “estarmos em linha com um pacote regulatório”, bem como de “avançarmos mais” em uma regulação mais ampla. Conforme observa, um dos pilares do projeto de lei é a defesa da liberdade de expressão, com mecanismos para isso, assegurando, ao mesmo tempo, que as plataformas digitais façam moderação de conteúdo, antes e após a publicação. “Se o sujeito fala sistematicamente que o sistema eleitoral é violável, cria um ambiente para questionamento da legitimidade da eleição, sem muito fundamento”, observou. “Nosso caminho é o pró-regulação. E a lei prevê mecanismos”.

 

Conheça os temas, datas e horários dos próximos debates

15/08, das 16 às 18h
Compreendendo o apelo da desinformação

Com: Marisa Von Bullow (UnB); Helena Martins (UFC); e Sergio Ludtke (Projor e Projeto Comprova).
Moderadores: Carlos Vogt e Ana Caetano

5/09, das 16 às 18h
Estratégias de enfrentamento do descrédito na ciência e desinformação social

19/09, das 16 às 18h
Impacto da desinformação e do ceticismo na ciência no campo da saúde

3/10, das 16 às 18h
Reforço do potencial positivo da mídia social

26/10, das 16 às 18h
Reforço do potencial positivo da comunicação social da ciência

Assista pelo canal do YouTube da ABC
https://www.youtube.com/@academiadecienciasdabahia