Estamos longe de ter controlado a epidemia de Covid-19 no país

Estamos longe de ter controlado a epidemia de Covid-19 no país

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“Essa epidemia ainda está em andamento, talvez não em ascensão, mas em manutenção ou em redução devagar. Estamos longe de tê-la controlado”, destacou o médico Guilherme Werneck, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em live do Observatório Covid-19 da Fiocruz, em 09/09/2020. O evento faz parte de uma série que realizada em setembroapós seis meses da pandemia de Covid-19. Coordenado pelo pesquisador Christovam Barcellos, vice-diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz), a live reuniu também os especialistas Maurício Barreto, pesquisador da Fiocruz Bahia e coordenador do Centro de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz (Cidacs); Daniel Villela, coordenador do Programa de Computação Científica (Procc/Fiocruz); e Thomas Mellan, pesquisador associado da escola de medicina do Public Health Imperial College London, que abriu o evento.

Thomas Mellan destacou a importância das medidas de isolamento e apresentou alguns dados globais da disseminação da Covid-19 no mundo, comparando a situação do Reino Unido, na Europa, e do Brasil, na América. Para ele, os gráficos de ambos os países se assemelham no que se refere ao número alto de óbitos por milhão e à necessidadede manter a vigilância e o rastreio de casos.

O pesquisador apontou, a partir da modelagem de dados, via banco da SIVEP-gripe, um avanço nas informações que incluem a relação da letalidade dessa com outras doenças. “A letalidade está em torno de 1%, o que significa queé parecida com a da gripe espanhola, e é muito pior que a de outras gripes”, avalia. Para ele, embora o número de óbitos no Brasil venha mostrando uma diminuição, é preciso ainda, “ter cuidado para que o Brasil não tenha uma segunda onda como está acontecendo na Europa no momento”. E conclui advertindo que, “o panorama para o futuro é de que temos alguns avanços clínicos, esperamos pela vacina, mas ela provavelmente não irá resolver todos os problemas”. De acordo com Thomas, não teremos uma cobertura e uma eficácia total. “E pode ser que o tempo seja um fator limitante”, avalia.

Em sua exposição, Daniel Villela também fez uma análise de dados dos casos de Covid-19 no Brasil, destacando os impactos das medidas de distanciamento sobre a pandemia nos diferentes estados do país. Para ele, as medidas surtiram um impacto, mas há uma estabilidade em um patamar alto que ainda é preocupante. “A epidemia ainda não passou, portanto, é importante que saibamos conviver com ela e é preciso evitar aglomerações”, destacou. Em relação a flexibilização do isolamento, Daniel alertou que isso deve envolver ações locais, graduais e coordenadas entre estados e municípios.

O pesquisador salientou a importância do SUS e “sua resiliência mesmo diante de tantas dificuldades” e o papel relevante dos sistemas de vigilância, como o SIVEP-gripe, um “conjunto de dados impressionantes”, que podem dar respostas eficientes para mitigar os efeitos da pandemia. “O sistema de saúde e de monitoramento do Brasil é seu patrimônio”, destacou.

O médico Guilherme Werneck fez uma abordagem mais epidemiológica sobre o cenário da pandemia de Covid-19 no país. Para ele, a pandemia é um dos maiores desafios da nossa geração. “Em janeiro, já se reconhecia que o vírus se espalhava rapidamente, que a suscetibilidade era universal, que as taxas de fatalidade eram relativamente altas, em relação a outras doenças respiratórias, que não havia vacina e que os testes e diagnósticos eram e ainda são imperfeitos”, observou.

Segundo Guilherme, o Brasil teria toda condição para se preparar para enfrentamento adequado da pandemia, pois é reconhecido internacionalmente por prover um sistema de informações de qualidade e alta cobertura, que não existem em muitos países. “E, tem uma massa crítica importantíssima na área científica, tanto na área básica quanto na área aplicada”, acrescentou.

Para ele, no entanto, a atuação do país na pandemia merece críticas. “É constrangedor que tenhamos chegado a essa situação, quando já se tinha uma ideia de como a resposta à pandemia deveria ser dada. O país tem enfrentado essa pandemia de uma forma não tão ideal como poderia”.

Ainda segundo o pesquisador, a resposta brasileira falhou na maior parte das fases necessárias ao enfrentamento de uma pandemia, não sendo capaz, do ponto de vista da gestão, de integrar ações dos diferentes entes federativos. “Houve uma negação inicial que ainda continua. O problema não foi tomado seriamente e as estratégias de contenção foram insuficientes, assim como as estratégias de mitigação depois que a transmissão comunitária aconteceu”.

Guilherme explicou a importância da vigilância sindrômica como estratégia da vigilância epidemiológica, para identificar precocemente um maior número de casos, favorecendo a detecção de eventuais surtos ou riscos, mas que, segundo ele, não foi desempenhada ativamente. “As estratégias de vigilância sindrômica não foram realizadas de forma ativa e com a cobertura de que necessitava. Houve uma ênfase na atenção hospitalar e na necessidade de testagem, que é importante, obviamente, em vários sentidos, mas não é o aspecto essencial para o enfrentamento da pandemia, na identificação de casos e no monitoramento de contatos, que tem que ser feita por meios de vigilância sindrômica”, explicou.

Ainda assim, considerou Guilherme, o país foi bem sucedido em vários aspectos, principalmente, no que diz respeito à comunidade científica, que se envolveu com o evento, articulando diferentes instituições e grupos de pesquisa. “Talvez, pela primeira vez, a comunidade de saúde pública e epidemiológica foi chamada para o centro da discussão e pôde de alguma forma publicizar e trazer conceitos fundamentais à tona, como quarentena, transmissão, entre outros, para ampliar a visão da sociedade sobre o problema. Da mesma forma, o Sistema Único de Saúde também ganhou centralidade, conforme avaliou o pesquisador. “Mesmo com todas as suas dificuldades, principalmente, o desfinanciamento dos últimos anos, o SUS pode ser responsabilizado por ter evitado uma tragédia ainda maior”, considerou.

Guilherme chamou atenção,ainda,para dados que apontam uma situação de curto ou longo prazo ruim para algumas cidades e capitais do país, com possibilidade de retorno dos casos de Covid-19 no curto ou no longo prazo. “Estamos longe de ter controlado essa pandemia. Há recomendações para retomada das atividades econômicas, mas espera-se que a positividade no [teste] PCR esteja abaixo dos 10%. O Rio de Janeiro, por exemplo, registra, em mais de 70% de PCRs realizados, uma positividade entre 25 a 30%. É um nível altíssimo”.

Para Guilherme, dessa forma, os níveis de transmissão não podem ser considerados controlados, pois se mantêm em níveis altos. “Não é porque saímos de 1