Doenças crônicas: acompanhamento dos pacientes tem pouca atenção – análise de Joyce Schramm
As doenças crônicas representam hoje mais de 70% da carga de doença do Brasil. No atual cenário epidemiológico do país, no entanto, o acompanhamento longitudinal dos pacientes em relação à morbidade – comportamento das doenças, no que diz respeito às complicações geradas e os impactos na qualidade de vida – ainda é um grande desafio, com implicações de grande relevância para o planejamento e gestão do Sistema Único de Saúde. “Quando pensamos em epidemiologia e doenças crônicas, acabamos tratando das mortes; não se fala, não se programa, não se planeja para quem ficou incapacitado pela doença”, observa a epidemiologista Joyce Schramm, pesquisadora do CEE-Fiocruz, que apresentou pesquisa sobre o tema em fevereiro, na 204° reunião ordinária da Comissão Intersetorial de Recursos Humanos e Relações de Trabalho do Conselho Nacional de Saúde.
[Acesse aqui a apresentação de Joyce Schramm].
Para a pesquisadora, de forma similar a sistemas de saúde de outros países, o SUS está enfrentando uma crise causada pelo desencontro entre as condições de saúde e um sistema de saúde voltado ao atendimento de situações agudas, que é “reativo, episódico, focado na doença e sem o protagonismo dos usuários no cuidado com sua saúde”.
Utilizando a métrica Daly (de Disability Adjusted Life Year, ou Anos de Vida Ajustados por Incapacidade, em livre tradução], que mede a carga de doença e expressa os anos perdidos devido a problemas de saúde, incapacidades ou morte precoce, a pesquisadora analisa a relação entre as cargas de mortalidade e de incapacidade gerada pelas diferentes doenças crônicas. “A métrica Daly é um indicador composto que agrega morbidade e mortalidade”, explica Joyce, referindo-se às complicações e sequelas das doenças, quando não acompanhadas adequadamente. “Pouco se trabalha no campo de geração de conhecimento sobre essas complicações, e são elas que estão no sistema de saúde todos os dias”, observa. “Se perguntarmos quantas pessoas têm lesão ocular causada por diabetes no país, quantas pessoas têm Alzheimer, não temos parâmetros definidos para a organização do SUS. Não se planeja olhando para esse cenário”.
A análise longitudinal e a ênfase no autocuidado, sobretudo no que diz respeito a aderir ao tratamento, são estratégicas para tratar o paciente crônico, destaca a pesquisadora. “O que significa uma doença crônica na vida de um indivíduo, que vai precisar de tratamento pela vida inteira?”, indaga.
Ela explica que o estudo das doenças crônicas restrito à mortalidade não dá conta de males como os transtornos mentais, tais como a depressão e o Alzheimer, por exemplo, que não causam morte e estão “explodindo” nos municípios. “Que demanda isso gera em relação a assistência, consumo de medicamentos, capacidade de trabalho?”.
Joyce assinala, ainda, que o cenário das doenças crônicas é semelhante nas diferentes regiões do país. “O que difere é a posição no ranking das causas de perda de capacidade, mas, de forma geral, as dez primeiras causas não variam”, diz a pesquisadora, referindo-se, entre outras, ao diabetes mellitus, depressão, doença cardíaca isquêmica, AVC e abuso e dependência de álcool.
De acordo com Joyce, esse olhar sobre o quadro epidemiológico que se observa no Brasil leva a uma reflexão sobre a importância da atenção primária à saúde (APS) e sobre o modelo de atenção que desejamos alcançar. “A atenção primária faz muita coisa e é a porta de entrada do Sistema Único de Saúde. É uma estratégia de organização voltada a responder de forma regionalizada, contínua e sistematizada à maior parte das necessidades de saúde de uma população, integrando ações preventivas e curativas, bem como a atenção a indivíduos e comunidades”, destaca. “Ao longo dos anos, a APS tem passado por grandes transformações, mas precisa ainda de muita mudança para dar conta de nosso atual cenário”.
* Edição: Eliane Bardanachvili