Paulo Buss e Michael Marmot: continuar com a economia neoliberal não resolverá os problemas da desigualdade e das mudanças climáticas
Diante da crise do capitalismo democrático, o relatório final do Conselho de Economia da Saúde para Todos da Organização Mundial da Saúde, lançado em 23/5/2023, em Genebra, fornece motivos para a esperança de um novo e necessário caminho a seguir, avaliam os pesquisadores Paulo Buss, diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz (Cris/Fiocruz) e Michael Marmot, diretor do Institute of Health Equity da University College London (UCL), em artigo publicado no British Medical Journal, na mesma data. Os autores observam no documento “avanços em relação ao pensamento econômico atual”. Nele, explicam, a saúde não é abordada como instrumento para se alcançar um objetivo maior, tal como a riqueza, mas um direito humano em si.
Eles citam a economista Mariana Mazzucato, presidente do Conselho, que, no prefácio do relatório final, observa que ao lado de um ambiente saudável e sustentável, a saúde e o bem-estar devem ser o objetivo final da atividade econômica”. Lembram, ainda, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, que afirma o bem-estar físico e mental como “o objetivo central das economias”.
Leia a íntegra do artigo (em inglês)
Conforme observam Buss e Marmot, o documento lança luz sobre esse novo pensamento econômico, trazendo a avaliação de um grupo exclusivamente feminino de dez economistas que compõem o Conselho, sobre como a saúde e o bem-estar devem ser valorizados, produzidos e distribuídos na economia. Além disso, destacam, o relatório faz recomendações para colocar a saúde para todos no centro da tomada de decisão dos governos e da colaboração do setor privado nos níveis regional, nacional e internacional.
Os autores comentam a expressão saúde para todos, utilizada no documento, mostrando a evolução de seu entendimento desde a Declaração de Alma Ata, de 1978. De acordo com os autores, a mensagem, explicitada nessa Declaração, era que a saúde para todos deveria ser alcançada por meio da atenção primária à saúde. “Isso evoluiu para a cobertura universal de saúde. O acesso universal a cuidados de saúde de alta qualidade é uma necessidade social vital, mas por si só não garante saúde para todos”, consideram. Eles explicam que a Comissão da OMS sobre Determinantes Sociais da Saúde deixou claro que as desigualdades na saúde surgem de uma combinação tóxica de políticas e programas sociais ruins, acordos econômicos injustos e políticas ruins. “As duas primeiras são o foco direto deste novo relatório e, se a abordagem apresentada fosse seguida, o resultado seria uma boa política”, avaliam.
O texto chama a atenção, também, para o fato de o documento sublinhar que as três grandes crises do nosso tempo – saúde, desigualdade e emergência climática – devem ser enfrentadas em conjunto, “pois estão profundamente interligadas e nenhuma respeita fronteiras nacionais”.
Outro ponto sublinhado por eles diz respeito ao papel dos governos, destacado no relatório, em prol do bem comum. Buss e Marmot ressaltam que a economia da saúde para todos propõe que os setores público e privado se combinem, nessa direção.
Eles citam os quatro grupos de recomendações do relatório – valorizando, financiando, inovando e fortalecendo a capacidade de fornecer saúde para todos – como caminhos para alcançar maior equidade em saúde e um planeta viável.
Segundo os autores, ainda, outro caminho a seguir, apontado pelo relatório, seria inspirado no conceito da economia dos donuts, proposto pela economista da Universidade de Oxford Kate Raworth. Essa nova forma de pensar o desafio econômico “tem como foco eliminar a pobreza global e viver dentro dos recursos naturais do mundo, mostrando a necessidade de enfrentar as necessidades sociais dentro dos limites impostos pela proteção do planeta”.
Por fim, Buss e Marmot avaliam que o relatório “afirma claramente que continuar com a economia neoliberal não resolverá os problemas de desigualdade e mudança climática, nem abordará a saúde como um direito humano fundamental”. A saúde para todos, defendida no documento, deve ser vista como um investimento de longo prazo e não como um custo de curto prazo, concordam os autores, sublinhando que “para alcançar maior equidade em saúde e lidar com a emergência climática, é necessária a ação de todo o governo em prol do bem comum”.